A chegada da Semana Farroupilha, depois do retorno das aulas presenciais, impôs lá em casa a retomada de um rito que, por força da pandemia, não ocorreu no ano passado: trajar as gurias em seus vestidos de prenda, para irem à escola a caráter. Não é uma operação tão simples, como vestir um moletom e uma calça jeans. É, em linguagem bem guapa, um bochincho, um entrevero de saias e rendas a serem acolheradas, que resulta num baita serviço para minha patroa.
E não é tudo. As melenas também exigem atenção. Não basta colocar um rabicó, como no dia a dia – as gurias querem tranças bem armadas e adornadas com flores de orquídea, o que também cobra seu tempo.
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Neste ano, ainda teve um agravante. Como em 2020 a pandemia manteve os vestidos intocados no roupeiro, não percebemos que o da caçula, Ágatha, ficou pequeno para ela. Oigalê, como a pitoca espichou nesse meio-tempo! E só descobrimos o perrengue quando a Semana Farrapa se aprochegava.
– E agora, tchê?
Mas, na vida, tudo se acomoda. Conseguiu-se de regalo o vestido de uma prima mais velha e – ajeita daqui, faz-se um ponto de linha ali – o traje ficou bem na traquinas. Pelo menos, na véspera da estreia. Porque no dia seguinte, quase na hora da aula, minha patroa percebeu que precisava dar mais uma encurtada da cintura. E dê-lhe linha e agulha, com o vestido já posto na caçula, que ficou paralisada, que nem palanque, pressentindo o perigo.
– Só não me espeta!
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Se no dia a dia já chegamos na escola em cima do laço, na Semana Farroupilha, nem sair a trote ajuda. Acabamos chegando atrasados, com as gurias dando pinotes em direção à sala de aula, as barras das saias esvoaçando pelo chão. Às profes, só nos resta pedir paciência com a demora.
Sugeri às gurias que explicássemos o atraso com uma trova macanuda, e cheguei até a rascunhar umas estrofes:
Professora, escute bem
este chasque abagualado,
de quem se aprochegou arrecém,
sabendo que está atrasado.
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Não penses que é pacholice,
não ficamos araganos.
A dificuldade que existe
é ajeitar as gurias nos panos.
É tanta saia, tanta renda,
que complica por demais.
Menina, pra virar prenda,
dá trabalho para os pais.
Depois de trajadas, afinal,
vê-se que valeu a pena,
más falta campear, no quintal,
uma orquídea pra melena.
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Por isso não leve a mal
e nem nos largue de mão.
Esse atraso anormal
é pra honrar a tradição!
Contudo, as gurias dispensaram meus versos, talvez duvidando do meu talento de pajador.
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Mas que ninguém me entenda mal. Esta crônica não é para chorar as pitangas. Pelo contrário: é o relato de um pai que não esconde seu orgulho de ver o gosto das filhas por uma tradição tão rica, construída por um povo que, historicamente, não se mixa diante de peleias, rigores e desafios. Um feliz Dia do Gaúcho!
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