As pautas que marcaram a minha história

Já são quase cinco anos trabalhando na Gazeta do Sul, onde tive a oportunidade de conhecer diversas fontes, cada uma com a sua história de vida e seus ensinamentos. Muitas vezes, por ironia do destino ou coincidência, suas histórias refletiam exatamente o que eu estava vivendo, tanto na minha vida pessoal quanto profissional. Mesmo não sendo a pessoa que irá escrever sobre eles, procuro prestar atenção em tudo que contam. Dessa forma vou criando a fotografia, de modo que consiga transparecer a emoção daquele momento quando chegar a hora.

Em janeiro de 2021, tive a oportunidade de conhecer a dona Livette Alzira Lovato Piazza, uma parteira de Cortado, em Novo Cabrais. Eu e o repórter Rodrigo Nascimento fomos ao encontro dela para a matéria especial Parteiras: memórias de uma profissão quase extinta. Foram cinco entrevistadas, uma história mais incrível do que a outra, sobre mãos que trouxeram à vida milhares de crianças e ajudaram a salvar tantas mães.

Naquela estrada de chão batido, em meio a um lindo jardim, conhecemos Livette. Obstetriz com 50 anos de experiência em partos, ela era referência na localidade onde ainda reside. Com sua mente muito lúcida, aos 93 anos na época, ela contou em mínimos detalhes sobre alguns partos e como era sua rotina. Depois de uma longa conversa, buscou a sua maleta que recebeu da Unicef, no início da carreira. Dentro estavam seus “equipamentos“ de trabalho, tesouras, luvas de látex, um avental, pinças e medicamentos, que quando necessário utilizava para conter a hemorragia nas mamães.

Quando a entrevista chegou ao fim, comecei a fotografá-la e a levei para a estrada que tanto percorreu nessas cinco décadas como parteira. Junto, é claro, da sua fiel parceira, a valise da Unicef. Tentei resgatar todos aqueles momentos em que ela caminhava até as mães, que a aguardavam para conhecer o grande amor de suas vidas.

Agora, escrevendo este Fora de Pauta, fico imaginando o que se passava na cabeça das parturientes. No interior, com pouquíssimos recursos, as mães confiavam a sua vida e as dos seus filhos àquela que tinha o dom de ajudar no parto. Não era fácil para nenhuma das partes, mas todos davam o seu melhor para garantir um parto bem-sucedido.

Eu, como mãe, vejo todas essas histórias com um carinho maior, porque senti na pele toda essa dor e esse amor, que fazem tudo valer a pena. Não tive o parto normal que tanto desejei, foram mais de 24 horas tentando. Tive toda a assistência possível, para ver até que ponto era seguro para nós duas, eu e a Alice. No final, acabamos indo para uma cesárea, que foi linda, emocionante e inesquecível, com meu esposo ao meu lado dando muita força e me acalmando. Em poucos minutos estávamos com a nossa filha nos braços.

As mães atendidas por Livette Piazza naquela época também tiveram toda a assistência possível da sua parteira, que dedicou sua vida para trazer ao mundo muitas crianças com poucos recursos. Mas o que ela tinha de sobra e fez toda a diferença em tantos momentos era amor, experiência e dedicação. Por tudo que ela fez nessa localidade e em outros lugares onde trabalhou, neste ano teve um livro lançado sobre a sua vida – Dona Livette, a parteira raiz – uma pioneira no contexto da política higienista, escrito por Eliane Scheele, Elma Sant‘ana e Luciano Miranda.

Na capa do livro está a minha foto, aquela que contei mais acima no texto, na estrada de chão com a sua maleta. Quando recebi um exemplar há algumas semanas, a emoção tomou conta. Pude ver que meu trabalho foi bem-sucedido, também. Na primeira página do livro, estava a seguinte mensagem: “Rafaelly Machado, nossa gratidão pelo seu olhar preciso. Sua fotografia une o passado ao presente. Que este livro lhe sirva de inspiração para olhar e fotografar outras mulheres de grande força como Dona Livette.” Eliane Scheele.

Com toda certeza, ela foi e sempre será uma grande inspiração! Obrigada, dona Livette, por todos os ensinamentos daquele dia.

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