Cultura e Lazer

As lições que Godzilla deu a Hollywood

Na noite de 10 de março, Hollywood se reuniu no Teatro Dolby, em Los Angeles, para a 96ª edição do Oscar. A cerimônia de entrega de prêmios ocorreu após um ano turbulento na indústria cinematográfica. Entre maio e setembro de 2023, durante 148 dias, os roteiristas entraram em greve – entre os principais motivos, para impedir o uso de inteligência artificial pelos estúdios para escrever os roteiros e ameaçar os empregos. No mesmo período, atores norte-americanos também paralisaram as atividades, alterando a data de lançamentos de diversas produções para a televisão e o cinema.

Se não bastasse, a principal fonte de renda da indústria cinematográfica começou a apresentar desgaste: os filmes de heróis. Tanto as produções da Marvel quanto da DC tiveram prejuízos, provocando dor de cabeça nos executivos. A “fórmula mágica” de fazer dinheiro em Hollywood apresentava sinais de colapso. E foi nesse clima que a academia distribuiu as estatuetas em 23 categorias. Algumas muito óbvias – Oppenheimer, de Christopher Nolan, conquistou sete, merecidamente. Porém, uma chamou muito a atenção: Melhores Efeitos Especiais.

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O tradicional troféu dourado foi para Godzilla Minus One. Com um orçamento entre US$ 10 milhões e US$ 15 milhões, a obra enfrentou concorrentes com orçamentos colossais: Guardiões da Galáxia (US$ 250 milhões), Missão: Impossível – Acerto de Contas Parte 1 (US$ 290 milhões), Resistência (US$ 80 milhões) e Napoleão (cerca de US$ 200 milhões). Não bastasse o dinheiro, o trabalho foi feito por 35 artistas que deram vida ao lagarto mais famoso do Japão. Isso corresponde a menos de 10% de uma produção norte-americana, que costuma ter mais de 200 trabalhadores.

Integrantes da equipe que elaborou os efeitos especiais do filme japonês celebram o prêmio recebido durante cerimônia do Oscar

Humildemente, o lagartão – e seus criadores – se curvaram ao serem reconhecidos pelo feito. Mas afinal, como o longa-metragem com recursos limitados conseguiu abocanhar, de forma figurada, o prêmio de filmes feitos para a maior indústria cinematográfica?

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Além de dirigir o filme – que também foi um estrondo na bilheteria (estima-se que foi mais de dez vezes o orçamento) – Takashi Yamazaki supervisionou os efeitos durante a produção. Por ter trabalhado no setor, soube usar as ferramentas disponíveis de forma criativa. Em certas cenas, principalmente envolvendo Godzilla devastando e explodindo cidades inteiras, poderia se pensar que não faltou dinheiro para as filmagens. 

Mas, mais importante que a sensação de grande escala, aí está o principal acerto de Yamazaki: usar os efeitos a favor da narrativa da história, sem se sobrepor a ela. Desde a década de 1990, no momento em que Steven Spielberg trouxe os dinossauros de volta à vida em Jurassic Park e James Cameron criou um ciborgue líquido, os computadores se tornaram protagonistas das películas norte-americanas. Hoje, não há personagem, mundo ou situação que não possa ser reproduzido digitalmente. No entanto, eles carecem de emoção. Parecem ser meros produtos. Esteticamente, belíssimos, mas no interior são ocos.

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E aí está a grande sacada de Godzilla Minus One. Obviamente que não estamos falando de uma obra-prima shakespeariana. É, sim, um filme pipoca – o chamado blockbuster. Mas o fato de ser entretenimento não significa que precisa ser raso. Há sete décadas, e mais de 30 filmes produzidos na terra do sol nascente, Godzilla mistura ficção com tragédias enfrentadas pelo Japão. Foi assim em 1954, ao retratar o horror da bomba atômica, e em 2016, quando aconteceu o desastre de Fukushima, ao criticar a ineficiência e burocracia do governo. E não foi diferente em 2023.

Minus One – o primeiro entre os demais filmes da franquia nipônica – não é sobre o enorme lagarto. É, acima de tudo, sobre pessoas que precisam superar a derrota da Segunda Guerra Mundial, e se unir diante de uma nova ameaça, muito mais devastadora e mortal. Para além do festival visual e sonoro, é sobre relações humanas.

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É por isso que Godzilla provocou um estrondo em Hollywood, especialmente após um ano em que a sétima arte viveu uma crise artística e criativa nos Estados Unidos. Inclusive, na época em que a produção japonesa percorria as salas de projeção no mundo e dominava o assunto, a versão americana Godzilla x Kong – Reino Ameaçado – que custou aproximadamente US$ 150 milhões – lançou seu primeiro trailer. No entanto, passou despercebido, mesmo com cenas muito maiores – mas sem o mesmo sentimento – do que seu antecessor.

Dinheiro. Indústria. Essas são as principais palavras quando se pensa no cinema norte-americano. Enquanto os filmes continuarem a serem vistos como um produto, e não como uma forma de arte, obras pequenas com grandes intenções vão abalar o mundo cinematográfico. 

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Julian Kober

É jornalista de geral e atua na profissão há dez anos. Possui bacharel em jornalismo (Unisinos) e trabalhou em grupos de comunicação de diversas cidades do Rio Grande do Sul.

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Julian Kober

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