A tensão de um dos momentos mais conturbados da história política recente do Brasil foi sentida na pele por um santa-cruzense. Aos 18 anos, Ilmor Vianna integrou o movimento de resistência que ficaria conhecido como Campanha da Legalidade, organizado em agosto de 1961 pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, para garantir a posse de João Goulart na Presidência da República. Com isso, ele acompanhou de perto a movimentação que colocou o País a um passo de uma guerra civil.
Filho de um quadro histórico do trabalhismo gaúcho, Júlio de Oliveira Vianna, que foi vereador em Santa Cruz e deputado estadual, Ilmor cursava o segundo ano da Academia de Polícia Militar, em Porto Alegre – chegou a capitão na corporação, onde atuou por 15 anos antes de se tornar juiz de Direito. Embora até então a experiência dele se resumisse aos treinamentos de tiro, ele e os demais cadetes foram mobilizados diante do risco iminente de um confronto, uma vez que o ministro da Guerra chegou a ordenar um ataque ao Estado. “Estávamos esperando ser atacados”, recorda ele, seis décadas depois.
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À época, a Academia já funcionava na Avenida Coronel Aparício Borges, onde está até hoje. “Uns ficaram dentro do prédio e outros foram designados para ficar lá fora. Eu fiquei do lado de fora”, conta. Ao todo, eram cerca de 120 cadetes que viviam em regime de internato. Na área externa arborizada com cerca de 500 metros de extensão que separa o prédio da rua, foram cavados buracos com pás para servir de trincheiras. Em cada uma, ficavam dois homens, com uma metralhadora. As trincheiras foram distribuídas por todo o pátio. “Não podia concentrar todas de um lado só, porque aí bastaria chegar um tanque e acabava com todos”, conta. Durante os dias em que o impasse perdurou, os cadetes só deixavam o posto para comer ou ir ao banheiro. As atividades regulares foram todas suspensas. “Dormíamos ali na trincheira, do jeito que dava”.
Até sair o acordo que encerrou a crise, os militares em formação viviam sob o receio de serem esmagados pelo aparato do Exército. “Tínhamos medo de ser atacados. Até porque nós não tínhamos nada e o Exército tinha blindados. Seria um massacre. Mas ficamos de prontidão todos os dias até o movimento acabar”, relembra. A tensão era tamanha que, em certa ocasião, um colega de Ilmor desesperou-se ao avistar o que pensou se tratar de um tanque das Forças Armadas. “Ele começou a gritar ‘olha os tanques, olha os tanques’. Aí outro colega foi ver e voltou dizendo: ‘cala a boca, é o trator do velho que mora nos fundos’”, riu.
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Em um tempo em que a comunicação era bem mais limitada, tudo isso aconteceu sem o conhecimento da família em Santa Cruz, que sequer tinha telefone em casa. Com convicções políticas já formadas em função da influência familiar, Ilmor recorda de ouvir, por um rádio portátil, os históricos pronunciamentos que Brizola fazia em cadeia direto dos porões do Palácio Piratini.
Na parede do escritório de advocacia de Ilmor Vianna, há uma foto de Brizola com seu pai, que, na condição de deputado estadual, foi quem recebeu o ex-governador na Assembleia por ocasião do retorno do exílio, em 1979. Mais tarde, enquanto militante do PDT, do qual é integrante até hoje, Ilmor também teria contato com Brizola, inclusive nas vindas da figura a Santa Cruz.
Ilmor também esteve com João Goulart pessoalmente. Na infância, transferiu-se com a família para São Borja, onde o pai, já envolvido com política, conheceu Jango. “Lembro de vê-lo desfilando no Carnaval, puxando uma banda”, recorda ele, que era criança à época.
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Apesar de passados 60 anos da Legalidade, o país está novamente às voltas com discussões sobre a solidez da democracia. Porém, Ilmor considera o cenário de hoje diferente e diz não ver ameaça real de uma nova ruptura democrática. “Semelhanças existem, mas não existe o clima que havia na época, com a Guerra Fria”, conta.
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