Os recursos de acessibilidade tiveram inúmeras melhorias e se tornaram mais disponíveis na última década. No Brasil, duas pioneiras da audiodescrição são as irmãs santa-cruzenses Lara Pozzobon da Costa e Graciela Pozzobon da Costa, que entraram em contato com a atividade em 2003, quando ainda nem havia um nome para a descrição das cenas. A audiodescrição é um recurso aplicado a filmes, peças de teatro, séries e documentários para que as pessoas cegas ouçam a narração do que acontece na cena além dos diálogos.
Tudo começou em 1999, no Rio de Janeiro, com a gravação do curta Cão Guia. Lara foi a produtora do filme, com direção e roteiro de seu marido Gustavo Acioli e estrelado por Graciela. “Me convidaram para fazer uma personagem de uma moça cega. O filme não é sobre cegueira, é um filme de ficção, de amor, mas tinha essa personagem. Para fazer esse filme, fiz uma preparação bem profunda no Instituto Benjamin Constant, fiz aula de reabilitação e ganhei minha bengala”, conta Graciela.
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O curta, realizado de forma despretensiosa, acabou participando dos principais festivais do país e festivais internacionais, rendendo quatro prêmios de atuação para a santa-cruzense, incluindo o Kikito no Festival de Cinema de Gramado como Melhor Atriz de Curta. O filme foi mais tarde selecionado para o festival Wie wir leben, em Munique, na Alemanha, especializado em filmes sobre deficiência. No retorno ao Brasil, Lara idealizou a oportunidade de desenvolver um festival temático também por aqui.
Assim surgiu o Festival Assim Vivemos – Festival Internacional de Filmes sobre Deficiência, que é o mais importante evento de cinema sobre o tema e foi o primeiro a disponibilizar o recurso da audiodescrição para pessoas cegas e de baixa visão no Brasil. O evento realizado bienalmente no Centro Cultural Banco do Brasil teve sua primeira edição em 2003. Na época, nem o festival da Alemanha possuía a audiodescrição, apenas atores que liam as falas dos personagens. Lara convidou a irmã para o desafio de fazer uma narração descritiva das cenas dos filmes que seriam exibidos.
Como o festival tem como tema a deficiência, os filmes participantes tinham que ser acessíveis a todos, com Língua Brasileira de Sinais (Libras) e legendas com indicação de ruídos para pessoas surdas, ambientes com elevadores e rampas além da descrição das cenas para as pessoas cegas. “Foi uma coisa intuitiva, a Graciela conversava com as pessoas depois das sessões questionando trechos mais específicos, o que tinham entendido, para ir construindo o escopo de trabalho dela na audiodescrição. Foi algo muito bonito construído com muito rigor e lucidez, com muito diálogo”, explica Lara. Assim os recursos de acessibilidade foram aplicados em todas as sessões naquela edição e nas seguintes, nas duas semanas de festival onde cerca de 30 filmes de diversas nacionalidades são exibidos.
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Desde o início do evento, pessoas com deficiência visual foram convidadas como consultoras, primeiro de forma informal e mais tarde como parte da equipe. “Pudemos contar com as opiniões para saber o que estava satisfatório e, a partir daí, fomos ajustando nosso modo de fazer. O que precisa fazer, o que está no universo sonoro do filme e quando deixar o silêncio prevalecer, são inúmeras questões que a gente decide e opta situação por situação”, conta Graciela. A formação como atriz também a favoreceu na atividade, por entender como as cenas funcionam e ter um olhar mais aprimorado.
“A audiodescrição se desenvolveu muitíssimo no Brasil depois de 2012, em número de pessoas interessadas, querendo estudar, mas ainda falta muito. A quantidade de conteúdo que precisa ser audiodescrito é muito volumosa”, relata Lara, que foi uma das professoras do primeiro curso de pós-graduação em audiodescrição no país, oferecido em 2014 pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Edições em 2021
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Em função da pandemia, o Festival Assim Vivemos teve sua primeira edição online realizada entre 10 e 14 de abril. A maioria dos filmes ainda estão disponíveis e podem ser assistidos no site do evento: https://assimvivemos.com.br. Atualmente Graciela Pozzobon da Costa é a diretora geral, a produção é do irmão Fernando Pozzobon e a idealizadora do evento, Lara Pozzobon, atua na curadoria. A próxima e 10 edição comemorativa do festival será em setembro deste ano, para a qual já foram recebidos mais de mil filmes inscritos.
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Graciela Pozzobon da Costa
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A atriz, audiodescritora e coordenadora de acessibilidade nasceu em Santa Cruz. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1995 para estudar Teatro, onde completou duas graduações, um bacharelado e uma licenciatura na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e na Casa das Artes de Laranjeiras (CAL). Após a experiência com o Festival Assim Vivemos, desde 2003 se dedica a produção, pesquisa e ensino da atividade de criação de roteiro, gravação de narração da audiodescrição em produtos audiovisuais e em peças de teatro. A partir de 2005, passou a coordenar equipes de acessibilidade em projetos culturais, expandindo o alcance também para as pessoas com deficiência auditiva, incluindo a aplicação de Libras às Legendas LSE (para surdos e ensurdecidos). Após 2011, passou a ser dedicar aos trabalhos com acessibilidade.
Lara Pozzobon da Costa
Nasceu em Santa Rosa, mas se mudou para Santa Cruz com 1 ano de idade, então considera-se santa-cruzense. Morou na cidade até os 17 anos, quando foi estudar na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e mais tarde transferiu-se para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Lara se formou em letras, com mestrado em Literatura Brasileira e doutorado em Literatura Comparada. Como produtora, atuou em mais de 30 projetos entre filmes, peças de teatro, mostras de cinema e festivais. Esteve no Festival Assim Vivemos até 2017, e no ano seguinte se mudou com a família para os Estados Unidos onde realizou um mestrado em Educação pela Universidade de New Hampshire e atua como professora de português na graduação e coordenadora de programas de educação na Uninter USA.
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As irmãs Pozzobon da Costa, com sua atuação no Festival Assim Vivemos, foram as pioneiras na audiodescrição brasileira, fato documentado em artigos e livros sobre o assunto. “A gente mais do que acompanhou, participou da implementação deste serviço no Brasil”, conta Graciela. Juntas, elas foram convocadas diversas vezes pelo poder público e organismos privados para definir e dar diretrizes da acessibilidade comunicacional em produtos culturais, fazendo parte da implementação da audiodescrição na televisão e também nos editais da Agência Nacional do Cinema (Ancine).
As irmãs ainda participaram dos processos para capacitação de mais profissionais para atuar na audiodescrição. Lara e Graciela ofereceram cursos, oficinas e palestras sobre o assunto, deram o primeiro curso sobre o tema em Portugal e participam de congressos internacionais. Dentre os trabalhos já realizados, estão projetos contínuos em teatros do Rio de Janeiro que disponibilizaram acessibilidade, como o Teatro Carlos Gomes e o Maison de France, além da audiodescrição em eventos como o Carnaval do Rio na Marquês de Sapucaí em 2011, 2016 e 2017, as Olimpíadas do Rio 2016 e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20).
Apesar de todos os avanços na área da acessibilidade no Brasil e de uma boa legislação na área, Graciela avalia que ainda que os recursos estejam disponíveis, nem sempre eles chegam ao consumidor final, que é a pessoa cega. “As pessoas com deficiência no Brasil são consumidoras também, elas têm poder aquisitivo, é um público consumidor ávido para consumir entretenimento como qualquer outra pessoa. A cultura é feita em grande parte com lei de incentivo, com a verba de todos os brasileiros, os recursos de acessibilidade não são um favor, são um direito.”
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