A votação do último domingo, 15, autorizou uma renovação sem precedentes no Legislativo de Santa Cruz. Dos 17 vereadores eleitos, oito são novos – a maioria jovens e fortemente identificados com bandeiras como feminismo, esporte e liberalismo. Conversamos, ao longo desta semana, com todos os nomes que chegam agora à linha de frente da política local.
Frente da Mulher será reativada
Após uma eleição que, embora não tenha ampliado a representação feminina na Câmara, levou duas mulheres ao rol dos nomes mais votados, a feminista Nicole Weber (PTB) terá como uma de suas prioridades a proposição de políticas que incentivem a diversidade na política local. “Meu maior objetivo é trazer mais mulheres, começando com incentivos às lideranças femininas nas escolas”, conta.
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Esse sentimento reflete a sua própria trajetória, iniciada como líder de turma e em grêmios estudantis. Atualmente, é advogada e atua principalmente em casos de divórcio e Maria da Penha, além de militar junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Também trabalhou na Procuradoria Especial da Mulher na Assembleia Legislativa, onde participou de uma mobilização que conseguiu elevar de R$ 20 mil para quase R$ 3 milhões o orçamento de órgãos estaduais voltados à defesa da mulher no Estado. Foi ainda em 2018 que decidiu concorrer a vereadora, um sonho que adiava desde a adolescência.
Na Câmara, Nicole dividirá a bancada feminina com Bruna Molz (Republicanos), que acaba de conquistar o segundo mandato. A Gazeta do Sul reuniu as duas um dia após a eleição. Para além do gênero, elas têm muito em comum: a mesma faixa etária (Bruna tem 30 anos e Nicole, 32), são formadas em Direito, ativas em redes sociais e fortemente identificadas com uma causa (no caso de Bruna, a defesa dos direitos dos animais), além de ambas serem exsoberanas da Oktoberfest – e sagitarianas, como fazem questão de ressaltar.
Elas também concordam quanto às razões para a falta de mulheres na política. “Falta senso de representatividade”, diz Nicole. “Mulheres não se ajudam, são muito desunidas”, acrescenta Bruna. Ainda fazem coro sobre as dificuldades impostas às mulheres em uma cultura machista. “Tu tens que ter o dobro de poder de articulação para ser respeitada”, observa Nicole. “Nos meus primeiros meses de mandato, me senti um pouco acuada. Hoje já tenho o respeito de todos”, relata Bruna. Por causa disso, traçaram uma meta em conjunto: vão reativar a Frente Parlamentar da Mulher no Legislativo.
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Questionada sobre quais conselhos daria a Nicole para seu mandato de estreia, Bruna não hesitou: ser firme na defesa de suas ideias, votar sempre de acordo com sua consciência e jamais trocar cargos por votos. “O teu voto é o teu voto. E pode contar com meu apoio para tudo o que tu fizeres pelas mulheres”, disse.
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“Bancada da bola” entra em campo
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Dos sete novos vereadores, pelo menos cinco têm ligações com o esporte, o que alguns já vêm chamando de “bancada da bola” e deve trazer o setor ao centro dos debates na Câmara na próxima legislatura. Um deles é Jair Eich (PP), presidente desde 2009 do Esporte Clube Avenida.
Garantir uma voz mais ativa ao esporte na esfera municipal foi justamente o que estimulou Eich a concorrer neste ano – embora já fosse filiado ao PP há mais de 15 anos e cogitasse disputar uma vaga no Legislativo há bastante tempo. “Aproveitei essa renovação que já estaria por acontecer de qualquer forma na Câmara para me lançar. Com a vivência que tenho no Avenida, senti que tenho algo a contribuir”, comentou ele, que também é empresário.
Segundo Eich, apesar de sua relação com o futebol profissional, a intenção é valorizar todas as modalidades esportivas. Seu grande pleito é defender a implantação de um Centro Esportivo Municipal, com estrutura para formação e treinamento de atletas. “Obviamente não é um vereador que vai conseguir fazer isso. Mas como vereador, posso buscar caminhos. O esporte contribui muito com a sociedade.”
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Para além do esporte, Jair Eich, que tem 54 anos, também pretende dar atenção às demandas do interior, muito em função de sua ligação com a região de Boa Vista.
Igualdade racial volta à pauta
“Agora temos um representante.” “Agora vamos ter uma voz.” Tão logo sua vitória foi confirmada, Cléber Pereira (DEM) começou a receber uma avalanche de mensagens como essas. As manifestações traduzem o que a sua chegada à Câmara, após quatro tentativas consecutivas, significa para a comunidade negra, que sofre com uma brutal subrepresentação no município. Cléber é somente o segundo vereador negro eleito em toda a história do Legislativo.
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Antes dele, o único negro a conquistar uma cadeira como titular foi José Osmar Ipê da Silva, em 1992. Na última quarta-feira, a Gazeta do Sul reuniu Cléber e Ipê, que sempre lamentou o fato de sua passagem pela Câmara não ter sido o gatilho para um novo momento em termos de diversidade na política local. Agora ele vê a eleição de Cléber como uma oportunidade de turbinar o movimento pela igualdade racial em Santa Cruz. “Eu vejo a ascensão do Cléber como um pai que vê um filho nascer. Me sinto felicíssimo”, contou Ipê. Seus planos incluem reativar grupos de fomento à cultura afro que foram esquecidos no município.
Embora envolvido com diversas causas – foi atleta e presidente da Assaf, coordenador do Departamento de Esporte da Prefeitura por dez anos e há 23 mantém uma escola de futsal por onde já passaram três mil atletas –, Cléber tem consciência da importância de sua chegada ao parlamento para a comunidade negra. “O racismo existe, mas muitas vezes perdíamos força porque não tínhamos uma referência. A nossa referência foi o Ipê, lá em 1992. Agora acredito, humildemente, que eu posso ser essa referência.” Para ele, que tem 43 anos, um dos principais desafios é ser compreendido pela sociedade. “Temos que cuidar a maneira com que vamos falar para não parecer vitimismo. Só queremos igualdade. Não queremos ser mais, mas também não queremos ser menos”, salienta.
Para além das questões raciais, já tem em mente retomar a discussão sobre uma lei que reconheça a atividade física como essencial. Isso permitiria que estabelecimentos como academias e quadras esportivas pudessem funcionar mesmo em situações de calamidade pública. Um projeto semelhante chegou a ser aprovado pela Câmara durante a pandemia, mas acabou vetado pelo governo.
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Eleito vai propor Tribuna Popular
P rimeiro vereador eleito pelo Novo em Santa Cruz, o advogado Leonel Garibaldi já definiu o primeiro projeto que irá defender: a criação da Tribuna Popular, um espaço para que cidadãos possam se manifestar na Câmara, a exemplo do que já existe em outros municípios, como Venâncio Aires. “É necessário que, na chamada Casa do Povo, o povo tenha voz”, alegou. Uma proposta com esse objetivo foi rejeitada pelos vereadores em novembro de 2016.
Seus planos incluem ainda criar uma espécie de “gabinete itinerante” para receber demandas da população diretamente nos bairros, além de fazer uma ampla revisão da legislação municipal com o objetivo de revogar regras que criam empecilhos a empreendedores. “Esse é um dos meus propósitos principais: garantir liberdade para as pessoas”, frisou.
Aos 37 anos, Garibaldi iniciou sua militância por volta de 2014, através do Movimento João da Silva, que reivindicava redução de gastos e moralização da Câmara. Teve contato com o Novo, que ainda estava em processo de criação, no ano seguinte, quando participou de uma mobilização pró-impeachment de Dilma Rousseff em Brasília. Acabou por atuar diretamente na fundação da sigla no município e, em 2018, concorreu a deputado estadual.
Para ele, sua chegada ao Legislativo pode ser uma alavanca para a legenda em nível municipal. “Gosto de pensar que é um princípio, uma semente que estamos plantando”, comentou.
Conforme prevê o estatuto da sigla, para concorrer, Garibaldi assumiu compromisso em cartório de reduzir em 50% o número de assessores em seu gabinete – atualmente, são dois por vereador – além de realizar processo seletivo para escolher os auxiliares. Além disso, vai abrir mão do celular funcional e 25% de seu salário líquido será doado todo mês para entidades assistenciais.
Filho do ex-vereador Nilton Garibaldi, o Gariba, que esteve na Câmara por 32 anos, Leonel diz que tem no pai o seu “grande exemplo”. “No começo, ele era vereador sem salário. Fazia por vocação e esse é um exemplo que eu levo para mim”, conta.
O novo representante de Pinheiral
Mesmo com a saída de Mathias Bertram (PTB), que ficou em segundo lugar na disputa pela Prefeitura, Pinheiral não perderá a sua representatividade na Câmara. Caberá a Rodrigo Rabuske (PTB), voz ativa na localidade há vários anos, essa missão.
Rabuske e Mathias são amigos de longa data – um é padrinho do filho do outro – e têm em comum a atuação comunitária em Pinheiral. O vereador eleito, que plantou tabaco até os 20 anos e hoje tem 32, trabalhou pela Associação Esportiva Recreativa Pinheiral, foi festeiro da comunidade e presidiu o Conselho de Desenvolvimento de Pinheiral (Codepin). Filiado desde 2014 ao PTB, chegou a ser presidente do PTB Jovem, assessorou Mathias na Câmara e depois integrou a equipe técnica de captação de recursos do deputado federal Marcelo Moraes (PTB) em Brasília. “Essa liderança fez com que naturalmente, com o Mathias concorrendo a prefeito, a cadeira dele fosse buscada por mim”, disse Rabuske, que também é professor universitário. Apesar da bagagem, a votação obtida nas urnas foi uma surpresa. “Por mais que eu tenha experiência técnica, essa foi minha primeira experiência política. Para uma primeira eleição, foi algo que me orgulha bastante.”
Em função da origem no campo, Rabuske pretende dedicar especial atenção ao interior. “Sai de lá e sei o quanto está difícil segurar os jovens na agricultura”, observou. Outras preocupações centrais de seu mandato serão educação e empreendedorismo. Embora seja do PTB, partido que historicamente rivalizou com o PP de Helena Hermany, garante que não fará “oposição raivosa”. “Pelo contrário, quero atuar de forma responsável. Mas sempre terei posição. Quando houver divergência, será no campo das ideias.”
A vez dos herdeiros
Dois sobrenomes muito familiares à Câmara de Vereadores permanecerão nas placas de identificação do plenário na próxima legislatura. Os prenomes, porém, serão outros: Henrique Hermany e Serginho Moraes foram eleitos pela primeira vez para dar sequência à tradição de suas famílias na política local.
Apesar da rivalidade histórica entre os dois partidos, a Gazeta do Sul reuniu os dois para uma conversa na quarta-feira. Aos 40 anos, Henrique, que é advogado e foi secretário de Saúde e de Segurança, vai herdar a cadeira do pai, Edmar, que irá se aposentar após cinco mandatos na Câmara e um como prefeito, e representar o governo da mãe, Helena, que acaba de se eleger para o Palacinho. “A gente vive a política 24 horas. Eranatural ouvir ‘um dia tu vais concorrer’. Chega um momento que não tem como escapar”, contou.
Mais novo entre todos os eleitos, Serginho, com 27 anos, é empresário e filho de Sérgio e Kelly Moraes. “Lá no comecinho, eu não imaginava um dia concorrer. Depois fui pegando gosto. Nossos pais já estão cansados, está na hora de outros assumirem.”
Em uma campanha pautada pela renovação, os dois se acostumaram a conviver com críticas à política de famílias. Para eles, no entanto, não há demérito. “Qual é o maior orgulho de um pai ou uma mãe? É ver um filho seguir os seus passos. Um pai professor gosta de ver um filho se tornar professor. Na política, é a mesma coisa. Mas muitas pessoas tratam isso como se fosse uma coisa errada”, diz Henrique. Serginho emenda: “Nosso bem maior é a família. E acho que a história dos nossos pais só tem a somar.”
Durante a conversa, Henrique e Serginho reconhecem semelhanças entre as famílias. Por exemplo, nas trajetórias de Helena e Kelly. Ambas iniciaram como primeiradama e, por meio de atuação na área social, ascenderam politicamente, acumulando sucessivos êxitos eleitorais. Embora estejam em polos opostos no cenário atual, os dois também apontaram pautas em comum. Uma delas é a retomada do atendimento 24 horas no Hospitalzinho – obra feita durante o governo Sérgio e revitalizada na gestão de Henrique na Saúde.
Um representante da cultura
Um dos motivos que levaram Daiton Mergen (MDB) a concorrer a vereador neste ano foi a percepção de que a cultura merecia uma representação mais consistente na esfera pública local. “Acho que o setor cultural estava carente”, disse.
Natural de Arroio do Tigre, ele cresceu próximo à política: sua mãe foi duas vezes vereadora e também secretária municipal e seu pai também chegou a concorrer à Câmara, mas não se elegeu. Vem também daí a sua relação com o MDB.
Professor de Educação Física e dono de uma escola de futsal com 120 alunos no Bairro Esmeralda, Daiton é vocalista há mais de 20 anos da Banda Magia Musical, uma das mais conhecidas no município. Apesar da popularidade, o retorno das urnas surpreendeu. “Esperava fazer apenas o mínimo para entrar e acabei fazendo uma votação expressiva”, orgulha-se.
Uma de suas pretensões na Câmara é dar atenção ao setor de cultura e, ao mesmo tempo, à educação e ao esporte. Pretende, por exemplo, propor a implantação de oficinas de música no turno inverso das escolas municipais – a exemplo de um projeto do qual participou em Passo do Sobrado. Na condição de parlamentar, também se propõe a buscar recursos federais, por meio de emendas, para investimentos nessas áreas.
Apesar de não ter apoiado Helena Hermany (PP) na campanha, Daiton diz que pretende buscar uma aproximação com o futuro governo.
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