Conceito de viagem em alta no momento, o mototurismo já conquistou muitos adeptos em Santa Cruz do Sul. Trata-se de uma modalidade em que o deslocamento é feito a bordo de uma motocicleta, sujeito às condições climáticas e demais dificuldades inerentes à estrada. Sem ver isso como um impedimento, o santa-cruzense Alfredo Knak, de 32 anos, partiu em uma expedição que passou por várias regiões do Uruguai, Argentina e Chile, por onde percorreu rotas reconhecidas pela beleza, como a Tierra del Fuego e a Patagônia.
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Sem dinheiro sobrando, ele fez uma campanha para arrecadar fundos, trabalhou temporariamente pelos locais por onde passou e contou ainda com o apoio de amigos, conhecidos e pessoas que conheceu pelo caminho para ter onde dormir, fazer as refeições e ainda consertar a motocicleta quando precisou. Mesmo com as inúmeras dificuldades enfrentadas durante o percurso, Knak garante que a experiência é inesquecível e dá um recado a todos: não esperem o momento perfeito para realizar os seus sonhos.
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Tradição de Família
O interesse de Alfredo por motocicletas começou cedo, haja vista que a família é proprietária de uma loja e oficina mecânica especializada. No local, ao longo dos anos, além do pai e da mãe, a irmã e os irmãos também trabalharam. Apesar disso, ele pensou em ser motociclista somente aos 24 anos, em 2016, quando adquiriu uma Honda CG 125 ML 1982. O objetivo inicial, afirma, era apenas o deslocamento pela cidade e para as pistas de skate, outra grande paixão. Não havia um desejo de viajar devido à rotina complicada.
“Eu já tinha quase 30 anos e sempre gostei muito de viajar, mas estava muito preso aqui na oficina”, conta. Decidido a fazer o que gostava, descobriu a possibilidade de fazer trabalho voluntário em troca de hospedagem e alimentação, o que torna o custo mais baixo. A primeira grande viagem nesse modelo foi para a Bahia, em 2022. “Fui com o objetivo de me descobrir melhor, ver se queria fazer outra coisa da vida e também com a ideia de produzir conteúdo para as redes sociais.” Durante dez meses, Alfredo aprendeu não apenas a viver dessa forma, mas a produzir em audiovisual.
Em novembro de 2022, voltou a Santa Cruz do Sul para o casamento do irmão mais velho, retomou os trabalhos na oficina e já começou os preparativos para a próxima viagem. Mais ambicioso que o anterior por uma série de fatores, o novo destino seria a América do Sul, passando por Uruguai, Argentina e Chile. “Botei na cabeça que queria ir para o Ushuaia, porque é um lugar que todo mototurista sonha conhecer.”
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Planejamento é fundamental durante a viagem
Antes de qualquer outra coisa, uma viagem envolve custos e exige do mototurista um planejamento minucioso para garantir a segurança, reduzir as dificuldades e tornar a experiência o mais agradável e prazerosa possível.
Antes da partida, com o objetivo de angariar fundos, Alfredo se dedicou à produção de conteúdos para as redes sociais, venda de rifas, camisetas, bonés e outros itens alusivos. Assim ele conseguiu arrecadar cerca de R$ 8 mil, o que corresponde a 65% do que foi gasto no tempo em que permaneceu na estrada.
Outro ponto fundamental diz respeito à elaboração das rotas, momentos de parada para descanso, locais de apoio e onde seria o pernoite. Durante a viagem para a Bahia, Alfredo conheceu alguns motociclistas argentinos e fez contatos que foram fundamentais para o sucesso da expedição. Além de fontes de informação, os “hermanos” auxiliaram com a cedência de lugares para dormir, alimentação e ainda indicaram outras pessoas, de outras regiões, que também poderiam ajudar se fosse preciso.
A bordo da ML 1982, Alfredo saiu de Santa Cruz e rumou ao extremo Sul do Rio Grande do Sul, ingressando no Uruguai pelo Chuí. Já no país vizinho, seguiu pelo litoral uruguaio até Colônia do Sacramento, de onde pegou um barco para Buenos Aires, na Argentina.
O plano era descer pela Ruta 3 e retornar pela Ruta 40, rotas já reconhecidas e exploradas por outros viajantes. Um deles, o argentino Pablo Imhoff, serviu de inspiração e guia. “Ele fez mais ou menos o mesmo trajeto que eu planejava, então assisti aos vídeos dele para ver por onde passar, acampar e lugares para conhecer.”
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O mototurista diz ainda que é essencial, durante o caminho, conversar com pessoas e ouvir o que elas têm a dizer. “Por mais que você busque saber e tenha elaborado um roteiro, as pessoas que vivem naqueles lugares são as que mais conhecem e podem dar as melhores informações sobre eles.”
Determinação para superar dificuldades
Alfredo Knak conta que não teve nenhum grande empecilho ou situação que tenha colocado a viagem em risco. A motocicleta apresentou alguns problemas ao longo do tempo, mas por ser mecânico, ele não demorou para encontrar soluções.
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O idioma também não atrapalhou a rotina. “Assistindo aos vídeos do Pablo eu já compreendia a maioria das palavras. Aquelas que não eram possíveis, eu buscava aprender e dessa forma consegui aprender muito.”
O tempo disponível foi ainda um fator favorável. Muitos mototuristas dispõem de poucos dias ou semanas para fazer as viagens e, em função disso, precisam realizar grandes deslocamentos diários para chegar ao destino conforme o cronograma previsto.
Alfredo, por outro lado, ficou meses na estrada e assim pôde aproveitar com calma tudo o que havia para desfrutar no percurso. “No Uruguai, às vezes eu fazia 30 quilômetros por dia, de uma praia até a outra. Já na Patagônia, houve vezes em que fiz 200 a 300 quilômetros diários.”
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Com um tanque de combustível com capacidade para apenas 12 litros, foi necessário carregar um galão extra de gasolina, haja vista a ausência de postos de abastecimento conforme aumentava a distância para os centros urbanos. As refeições eram otimizadas e rápidas, com preferência por sanduíches prontos e frutas. “Busquei evitar comidas pesadas para não ficar com aquele peso no estômago e cansaço durante a digestão.”
As paradas durante o deslocamento não se resumiam somente ao descanso e ao turismo, mas também eram feitas por motivo de necessidade. “Em Trelew, por exemplo, não tinha muita coisa para fazer, mas eu tinha um contato lá e acabei ficando 11 dias na casa dele porque precisava arrumar algumas coisas na motocicleta”, conta Alfredo. As limitações do veículo, com mais de 40 anos de fabricação, foram igualmente consideradas para limitar a quilometragem percorrida a cada dia, a fim de evitar problemas mecânicos.
As condições climáticas foram observadas diariamente para evitar situações perigosas. A região da Patagônia argentina é conhecida pelos fortes ventos que podem tornar a pilotagem até mesmo inviável. Visando a prevenção, o mototurista acompanhava as previsões com frequência por meio de aplicativos e seguiu viagem nos momentos mais favoráveis.
“Muitas vezes eu pretendia ficar apenas um dia em um local, mas acabei segurando porque havia alerta de rajadas fortes”, afirma. Neve, chuva e frio também dificultaram, mas não impediram o prosseguimento.
Cordialidade e muitas amizades pelo caminho
Após meses de contato diário com as populações do Uruguai, Argentina e Chile, Alfredo Knak garante que a má fama dos “hermanos” no Brasil é injusta. Segundo ele, uruguaios e argentinos são muito amistosos, cordiais e interessados em ajudar. Os chilenos, por sua vez, são mais reservados. “Via isso quando chegava em um hostel [albergue] e estava frio ou chovendo. Os argentinos logo perguntavam se eu queria um café ou um chá, enquanto os chilenos falavam sobre os quartos, valores e não conversavam muito.”
Esse comportamento dos argentinos facilitou a ideia de viajar a baixo custo adotada pelo mototurista. Além de acampar, ele aproveitou o crescimento das redes sociais para firmar parcerias e trocar divulgação por hospedagem.
A iniciativa deu certo em cerca de dez estabelecimentos e rendeu diversos pernoites sem custo. “Em Bariloche eu fiquei dez dias e paguei apenas um, foi uma estratégia que deu muito certo e me permitiu economizar um bom dinheiro”, afirma. Nas vezes em que precisou de ajuda na estrada, também não foi difícil ter apoio dos moradores.
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Por serem membros do Mercosul, Uruguai e Argentina não exigem grandes trâmites burocráticos para permitir a entrada de brasileiros. Basta apresentar a carteira de identidade com no máximo dez anos de expedição ou o passaporte. No caso dos veículos, é exigido um seguro obrigatório e o documento impresso.
O Chile, enfatiza Alfredo, é um pouco mais exigente, sobretudo no que diz respeito a restrições para a entrada de alimentos e bebidas. “De maneira geral, foi tudo muito tranquilo nessa parte.”
Moto pequena, sonho grande
Quando se fala em mototurismo, o senso comum indica o uso de motocicletas de grande porte e alta cilindrada, capazes de proporcionar conforto ao piloto, carregar uma grande quantidade de bagagem e ainda oferecer autonomia de centenas de quilômetros. Alfredo Knak não se importou com nada disso e foi atrás do sonho com a Honda CG 125 ML 1982 que possuía. “A minha intenção também era mostrar que não é preciso ter uma grande moto para fazer uma grande viagem”, ressalta. “Assim como não é necessário possuir o melhor capacete, luva, macacão ou baú, dá para fazer uma viagem bacana com o que se tem.”
Ele não nega, entretanto, que a ML projetada para o uso urbano e de curtas distâncias pode ser desconfortável em alguns momentos. Para amenizar isso, fez um encosto com as bagagens e um descanso que permitia esticar e mudar a posição das pernas, além de realizar paradas a cada hora para repouso e alongamento. Conta ainda que ao longo dos dias cruzou com pessoas viajando das mais variadas formas, com carros, motorhomes, bicicletas e até mesmo a pé. “O compartilhamento quando você está na estrada é muito bacana, assim como na vida de uma maneira geral.”
Outro grande aprendizado foi a empatia e a vontade de ajudar os outros. “Eu não cheguei a furar pneus e consegui resolver os problemas da moto, mas o pessoal sempre estava disposto a ajudar e fortalecer.” Essa capacidade de se colocar no lugar do outro, frisa Alfredo, será levada para a vida. “Conhecer novos lugares é muito bom, mas são as pessoas que fazem uma viagem ser maravilhosa.” Diante de tudo isso, a mensagem que ele deixa é ir atrás dos sonhos sem esperar o momento perfeito. “Acredite que vai dar certo e que as pessoas estão dispostas a ajudar. Tem muito mais gente boa do que ruim no mundo.”