Nesta semana fomos surpreendidos, aqui em casa, por mais uma veia artística das gurias: a produção de peças de cerâmica – ou algo parecido. Após várias tentativas, a marotas encontraram a medida ideal da mistura entre água e terra do jardim, fazendo surgir uma espécie de massa densa e maleável (que desavisados poderiam chamar de barro ou lama), substância que pode assumir diferentes formas, ao gosto das artesãs. As traquinas também descobriram que, ao cabo de algumas horas ao sol, essas formas adquirem estabilidade e certa resistência.
E, desde então, comecei a ser surpreendido, ao voltar do trabalho, com potes, pratos, jarras e estatuetas de pessoas e animais, além de certos objetos cujo sentido simbólico ou utilidade são difíceis de se precisar.
– O que é para ser essa forma aqui, que mais parece um cocô – perguntei, ao me deparar com um estranho adereço sobre a mesinha da sala.
– É para ser um cocô mesmo – esclareceu-me a Yasmin.
– Para assustar as visitas.
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Contudo, a caçula, Ágatha, decidiu apostar em um projeto ousado, que tem desafiado suas capacidades artesanais. Primeiro, deu forma a um quadrúpede, muito parecido com um gato. Enquanto o animal secava ao sol, ela passou a confeccionar nove pequenos rabos, a serem afixados no bichinho.
Intrigado, perguntei o que estava produzindo. Concentrada na tarefa, a traquinas respondeu tão baixinho que mal consegui escutar.
– Ein? – insisti, confuso. – Uma raposa com fraldas?
– Nãoooo, pai. Uma raposa de nove caudas!
Convém esclarecer que a raposa de nove caudas é um ser da mitologia oriental. O folclore japonês tem inúmeras histórias sobre as kitsunes, raposas com poderes mágicos, capazes de assumir a forma humana e de cuspir fogo e raios. Via de regra são benevolentes, mas também podem assumir caráter perverso quando sentem-se obrigadas a dar uma lição nos prepotentes e gananciosos.
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Segundo essas lendas, a cada cem anos as kitsunes adquirem uma nova cauda, o que eleva seus poderes e sua sabedoria. As raposas de nove caudas são, portanto, as mais poderosas e inteligentes. Não convém se meter com elas.
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O interesse da caçula por essa criatura mitológica é fruto de sua predileção pelos animes do Naruto. Segundo as histórias, o pequeno ninja guarda dentro de si o poderoso espírito de uma raposa de nove caudas, o qual ele precisa aprender a domar. Tarefa que se mostra tão desafiadora quanto a produção da estatueta da kitsume pela Ágatha.
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Ocorre que a caçula imaginou que seria mais viável fazer separadamente o corpo da raposa e as nove caudas. Contudo, uma vez que as formas secaram ao sol, não se deixam mais conectar. Com isso, a traquinas anda pesquisando e experimentando composições com terra e água que proporcionem a liga necessária. Por enquanto, sem sucesso.
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Para agravar a situação, em uma tarde em que fazia seus experimentos na companhia da irmã, Ágatha foi surpreendida por uma bola de lama que, repentinamente, atingiu-lhe a testa. Argumentou-se que fora um acidente, mas a caçula não se convenceu e partiu para o revide. O que se viu, a partir de então, foi uma guerra de barro sem precedentes, um perigoso combate lamacento que espalhou-se pelos quatro cantos do quintal.
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O saldo do conflito foi duas gurias cobertas de barro, uma mãe furiosa, um demorado banho e um decreto que suspendeu as atividades artísticas lá em casa por tempo indeterminado.
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