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Aprendizados de pai

Muitos leitores me tomam, erroneamente, como uma grande referência quando o assunto é paternidade. Julgam que, por ter quatro filhos, tenho muito a ensinar acerca dos macetes de ser pai. Esperam que, a cada coluna, eu traga conselhos valiosos sobre como lidar com as crianças, sobre como educá-las e como suprir suas necessidades afetivas e, também, suas necessidades básicas em tempos de crise e de preços em alta. Mas a realidade é que, embora eu já seja pai há 16 anos, ainda estou aprendendo sobre tudo isso.

Creio que um dos grandes desafios de ser pai é a manutenção da disciplina entre os peraltas de casa. Outro dia, por exemplo, fui surpreendido por uma discussão feia, que já beirava as vias de fato, entre as gurias. O estopim, pelo que
pude entender, foi a Netflix.

Ocorre que as três têm o hábito de assistirem juntas aos seus seriados prediletos. Contudo, na noite anterior à da briga, a caçula, Ágatha, acabou cochilando diante da televisão, enquanto as irmãs, impiedosas, continuaram assistindo à série. No dia seguinte, Ágatha exigiu que retrocedessem até o ponto em que ela havia assistido, mas não houve acordo. Isadora e Yasmin ainda tentaram contornar o perrengue relatando à irmã mais nova o que havia acontecido com os personagens, mas isso só piorou a situação – deixaram a caçula ainda mais irada, e foram acusadas de spoiler.

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Talvez Ágatha tivesse razão nas reivindicações, mas acabou perdendo-a por conta da exaltação. Simplesmente perdeu as estribeiras. Quando cheguei ao cenário do conflito, tentei adotar um tom conciliador, mas nenhum argumento aplacava a ira da caçula. As vozes foram se elevando e, em dado momento, resolvi apelar – e saquei o chinelo.

A ideia, claro, era apenas ficar no campo das ameaças. Somos totalmente avessos a castigos físicos lá em casa. Mas a traquinas, sabendo disso, resolveu me desafiar: apanhou também o seu chinelinho cor-de-rosa e me intimou:

– Então vem!

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O fato é que isso gerou uma cena um tanto quanto ridícula: de um lado, eu, segurando uma Havaianas tamanho 45; do outro, a caçula, com seu calçado tamanho 33. Mais parecia um duelo de esgrima entre um pesado gigante de espada contra um atrevido gnomo de canivete. E, por fim, a disputa terminou da melhor maneira possível: com uma sonora gargalhada de ambos os lados.

Com isso, a polêmica da Netflix foi esquecida e eu aprendi mais uma lição como pai: a melhor fórmula para lidar com conflitos e peraltices é, possivelmente, uma generosa dose de bom humor.

Uma possível fonte de inspiração para os pais que, como eu, estão em busca de fôlego e aprendizado acerca de como criar os filhos em meio a desafios e adversidades seria a história de William Jackson Smart (1842-1919), o sujeito que ocasionou a criação do Dia dos Pais nos Estados Unidos. Viúvo por duas vezes, ele criou 14 crianças praticamente sozinho.

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Por conta disso, uma de suas filhas, Sonora Louise Smart (1882-1978), lutou boa parte da vida para instituir oficialmente um Dia dos Pais. Sua mobilização começou em 1910, mas transcorreram mais de 50 anos até que a data fosse oficializada nos Estados Unidos – aqui no Brasil a comemoração tornou-se oficial bem antes, inspirada em São Joaquim, o pai de Maria, avô de Jesus.

Sabe-se que William Smart, curiosamente, lutou nos dois lados durante a Guerra Civil americana. Natural do Arkansas, começou nas trincheiras confederadas, mas caiu prisioneiro dos ianques e decidiu virar a casaca – uma atitude elogiável no contexto, considerando a ideologia escravocrata dos confederados. Após a guerra, estabeleceu-se em Spokane, Washington.

Entretanto, pouco se conhece sobre a pedagogia de William Smart na criação dos filhos. Não se sabe ao certo o que o veterano de guerra fazia depois que sacava o chinelo. Sonora, contudo, o descreveu como um camarada amável e corajoso, que cumprira o papel de pai e mãe com brilhantismo. Esse relato traz pistas interessantes. Se, além de pai, Smart cumpria o papel de mãe – função bem mais complexa – pode-se ter uma ideia de seus esforços.

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E dito isso, fica meu desejo de um feliz Dia dos Pais aos queridos leitores que, com esforço, criatividade e vontade de aprender, fazem o possível e o impossível pelo bem-estar de seus pimpolhos.

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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