O primeiro episódio de confusão e de mortes na nova era de jogos com portões fechados no Campeonato Brasileiro leva especialistas em violência e torcidas organizadas a fazerem um alerta: enquanto o Brasil não cuidar de coibir uma cultura de violência, continuará lidando com episódios tristes, mesmo em partidas sem a presença de público. Dois torcedores do Santos foram assassinados em Mauá, São Paulo, no domingo, 23, por disparos dados por um palmeirense num posto de gasolina.
O jogo no Morumbi, vencido por 2 a 1 pelo Palmeiras, foi disputado sem torcida por causa das restrições impostas pelo novo coronavírus. Os torcedores das duas equipes trocaram agressões armados de barras de ferro, pedaços de madeira e garrafas.
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Para especialistas ouvidos pelo Estadão, apesar de o Brasil ter tomado diversas atitudes nos últimos anos para evitar a violência entre torcidas, não há muito a se comemorar. Desde 2016 os clássicos do futebol paulista são disputados com torcida única do mandante. Ainda assim, foram registradas outras brigas e mortes em dias dos jogos. Na maioria dos casos, as confusões ocorreram em locais distantes dos estádios. No domingo, mesmo com o jogo sem torcida, houve um novo registro de violência.
O sociólogo Maurício Murad estuda o tema há 30 anos, é autor do livro A violência no futebol e considera que qualquer medida de restrição de torcida não resolve o problema. “A violência se distribuiu demais e não ter torcida no jogo não resolve nada. Pelas pesquisas que coordeno, 94% dos problemas acontecem longe dos estádios. Onde o jogo é disputado, a situação é controlada pela polícia. O problema continua sendo em locais distantes dos estádios”, afirmou.
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Murad explica que, por mais que em São Paulo os órgãos estaduais mostrem números com o intuito de defender que a torcida única diminuiu os casos de violência, em outros Estados, como no Rio Grande do Sul, a adoção de torcidas mistas também foi capaz de gerar os mesmos resultados. “Há anos eu e outros pesquisadores temos mostrado números e pesquisas científicas sobre a violência A violência ultrapassa os estádios porque envolve outros segmentos da sociedade”, afirmou.
Para a professora titular da Unicamp e autora do livro “Futebol e Violência”, Heloísa Reis, as mortes de torcedores em um domingo de clássico sem torcida mostram que o foco do combate está errado. Em vez de se restringir o público, na opinião dela deveria ser necessário um trabalho mais profundo de educação voltado aos meninos.
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“Será preciso acontecer vários episódios distintos e de pesquisas para as autoridades entenderam que o que motiva esse tipo de briga é uma questão de educação machista e também intolerante”, disse. “Se ficarmos pensando que o problema é no futebol e que eliminar a torcida vai resolver, tudo isso nos prova ao contrário. Mesmo sem futebol, a violência vai continuar de alguma maneira. Temos de educar diferentemente”, completou.
Outro especialista em violência e torcidas organizadas, o professor de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rodrigo Monteiro, avalia que o principal para se combater esse problema é entender a origem dele. Por isso, ele também destaca ser necessário um trabalho de educação e de se refletir que por trás dos confrontos, há outras situações.
“A questão não é restringir o acesso ou não ter público. A questão é desconstruir a lógica do torcedor. É preciso desconstruir esse estilo de masculinidade, de disputar quem é o mais macho, de quem briga mais, de quem vence o outro. Não tem como se policiar todo mundo. Toda essa questão não pode ser discutida somente entre a torcida, mas sim sobre a sociedade”, comentou.
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