Despedidas são sempre difíceis, mas se tornam inevitáveis em alguma etapa da vida de todas as pessoas. Para o barbeiro Isidoro Becker, o Bekinha, o momento chegou. Após 62 anos de trabalho praticamente ininterrupto, ele decidiu se aposentar, encerrando as atividades da tradicional barbearia localizada na Rua Júlio de Castilhos, em frente à Afubra. Com 82 anos de idade, pretende agora aproveitar mais a família, cuidar dos jardins do condomínio e também viajar.
Nascido e criado na localidade de Cerro Alegre Baixo, interior de Santa Cruz do Sul, ele mudou-se para a cidade em 1958, já com a intenção de trabalhar como barbeiro, ofício que já exercia, mas não profissionalmente. “Tive um acidente e o pessoal dizia que eu não servia mais para o serviço na colônia. Eu já cortava cabelo naquela época. Então, me aperfeiçoei e comecei aqui”, recorda. Nesse mesmo ano começou a funcionar a barbearia Becker, que trocou de lugar em quatro ocasiões, mas sempre esteve nas redondezas do cruzamento das ruas Carlos Trein Filho e Júlio de Castilhos.
Sem esconder a emoção e a satisfação ao relembrar da trajetória, Isidoro afirma com convicção que a escolha foi acertada. “Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Não tem nada melhor. Eu sempre digo que o profissional tem de gostar do serviço e caprichar. Se fizer isso, vai para frente.” O amor pela profissão é tanto que ele só parou de trabalhar quando precisou fazer o tratamento de um câncer. “Ele nunca tirou férias, só parou duas vezes em 62 anos, por motivo de doença”, revela a companheira, Rejani Weiss. “Ele ficou sete meses afastado e, quando cortou o cabelo do primeiro cliente no retorno, ficou tão feliz que parecia uma criança”, completa.
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Com a porta da barbearia diretamente na calçada, Isidoro acaba conhecendo diversas pessoas que passam, muitas das quais cumprimenta sem sequer saber o nome. “Aqui é o melhor lugar que tem. A minha amizade é com os homens, com as mulheres que passam, com crianças, com a vizinhança, todo mundo”, afirma. Entre os clientes, três ele faz questão de destacar: Paulo Bins, Nilson Santos e Tailor Barcellos, que frequentam o estabelecimento desde a abertura, e agora terão de procurar outro local, pois o barbeiro garante que não vai mais atender nem os clientes mais antigos.
A cadeira do barbeiro funciona como um confessionário
Ao comentar sobre as milhares de histórias de que foi testemunha ao longo da carreira, seu Isidoro conta, bem-humorado, que já se esqueceu de muitas delas. Sobre as que ainda se lembra, ele é enfático. “Eu sou de guardar segredo”, acrescentando que ouviu muitas revelações, mas a cadeira da barbearia funciona como um confessionário. “Às vezes, eu chegava em casa e dizia que tinha escolhido a profissão errada; eu deveria ter sido padre. O pessoal sabe que o que foi falado aqui dentro não sai, morre aqui. Então, falavam muitas coisas… E ainda falam, mas são segredos”, reforça.
Em um espaço tão antigo, não são só as lembranças que restaram. Ainda sobre a cadeira, Isidoro conta que é a mesma desde a abertura da barbearia, e que já a comprou usada naquela época. Além dela, ele guarda algumas tesouras que foram utilizadas ao longo dos anos. Seguindo no campo das lembranças, Isidoro recorda como era o Centro de Santa Cruz do Sul. “Nós jogávamos bola aqui na Carlos Trein, na rua mesmo, até cansar e não passava um automóvel sequer. Na Júlio, os postes ainda ficavam no meio da pista.”
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À comunidade santa-cruzense, aos clientes, amigos e vizinhos do Bairro Goiás, o agradecimento de Seu Isidoro é pela amizade, cultivada ao longo das seis décadas de atuação. No próximo dia 31, conforme planejado por ele, a porta da barbearia Becker será fechada pela última vez, marcando o fim das atividades de um dos estabelecimentos mais longevos e tradicionais do município.
De pai para filho
Isidoro é pai de dois filhos, a massoterapeuta Angela e o cabeleireiro Alexandre, que por influência e insistência dele acabou seguindo a mesma profissão. “Certa vez ele me perguntou por que eu não fazia um curso de cabeleireiro, e eu respondi que aquilo não era pra mim, eu odiava essas coisas. O tempo passou, eu senti que precisava tomar um rumo na vida e decidi ir para Porto Alegre fazer o curso, que na época só existia lá”, conta Alexandre. Ele retornou a Santa Cruz do Sul e no dia 8 de agosto de 1988 inaugurou seu salão, que funcionou por muitos anos no Centro e hoje fica no Bairro Arroio Grande.
Quando começou a trabalhar, Alexandre ganhou do pai os equipamentos necessários para o salão, entre eles uma tesoura, guardada com carinho e utilizada até hoje. Com 55 anos de idade, ele já está aposentado, mas segue trabalhando no salão e também atuando como paisagista e designer de interiores. Após o fechamento da barbearia do pai, Alexandre será o herdeiro da famosa cadeira. “Ele veio aqui um dia de manhã, me disse que ia parar de trabalhar e perguntou se eu queria a cadeira. Claro que eu quis, e isso foi muito legal, me deu um ânimo, um novo gás para continuar.”
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