Faz pouco mais de três anos que me convenceram que eu não escutava direito. Procurei uma profissional do ramo e saí convicto de que realmente não escutava. O médico receitou-me aparelhos auditivos, chatos de usar, mas eficientes.
Nesses três anos de convivência com meus aparelhos, notei que aquele que uso no ouvido direito nasceu rebelde. Outro dia, estacionei meu carro no Centro e a audição do ouvido direito me informava que faltava bateria no aparelho. Procurei a bateria no porta-luvas e constatei que havia acabado. Saquei o rebelde do ouvido e o guardei no meu bolso da camisa. O sacana não quer trabalhar, que fique descansando fazendo companhia aos meus óculos, pensei com meus botões.
Instintivamente, saquei os óculos do bolso para ler o preço de alguma mercadoria na vitrine. Não notei que, na alça dos óculos, vinha pendurado o aparelho, que se estatelou na calçada, lá ficando até que chegasse alguém que o achasse ou não. Que alça boa de pescaria! Perdi a esperança de que em algum dia iria me reencontrar com o rebelde. Até pensei o pior: que alguém pudesse ter pisado no coitado que, indefeso, desapareceu tragicamente, para sempre.
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Passaram-se cinco meses em que meu ouvido direito voltou a conviver com sua quase inutilidade. O esquerdo até que fazia um trabalho legal. Coitado, estava sofrendo, trabalhando sobrecarregado. Até achei que pudesse me abandonar a qualquer momento, em sinal de protesto pelo trabalho escravo. Até temi que me processasse na Justiça do Trabalho.
Dia desses, minha esposa olhava as postagens do Facebook. Alguém anunciava que foi achado um aparelho auditivo e que se encontrava guardado em uma farmácia no Centro. Duvidei que pudesse ser meu, mas não custava me informar.
Para encurtar a conversa, era meu o aparelho encontrado. Salvara-se do acidente. Uma alma caridosa viu o danado deitado na calçada e deixou-o na farmácia.
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Por longos cinco meses ficou descansando na gaveta do estabelecimento. Não precisaria escutar as más notícias da política brasileira. Estava bem no auge dos petistas e seus aliados no poder.
Realimentei-o com nova bateria. Ficou muito feliz com a volta ao seu ninho. Até estranhei, mas nada melhor que um dia após o outro. Continuou trabalhando mais um ano comigo, sem reclamar. Correu tudo às mil maravilhas durante esse tempo.
Todavia, o pior aconteceu. Começou a chiar, negando-se a escutar. Trocava a bateria e nada de melhorar. A chiadeira piorou. Levei-o à médica especialista. O diagnóstico foi o pior possível: vai ficar internado em um hospital de São Paulo por longos 20 dias. Meu ouvido direito será mais uma vez abandonado e, segundo a fonoaudióloga, esse lado alimenta a nossa razão. Nesses próximos dias serei só emoção. Que venham as boas notícias! Estou emocionado! A Lava Jato é um sucesso! Viva o Brasil, um dia dará certo! Não vai ter golpe!
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