Depois de arregaçar as calças em proporções iguais, Santo Chaves, de 93 anos, aparece na porta, coloca a mão na cintura e pergunta: “O que seria pra vocês?”. Pensando se tratar de clientes, seu Santo logo foi elencando as qualidades do produto que comercializa no bairro em que mora há mais de duas décadas: vassouras de palha. Ele diz que as tais vassouras são viçosas, firmes, duram bastante e que sua freguesia nunca reclama. “O cabo é de madeira boa”, acrescenta ele, e depois lamenta porque, infelizmente, nesse dia, não haveria nenhuma em casa para mostrar. “Vendi todas. Hoje é segunda, amanhã é terça, quarta-feira vou lá buscar. Vocês podem voltar na quarta?”
O assunto vassoura perdura por mais alguns minutos. E enquanto caminha de um lado a outro do pátio, explica que aquele carreto a um canto do terreiro é ele mesmo quem puxa. Ali, aponta, cabe uma dúzia de vassouras e ele as vende de porta em porta. Só a aposentadoria, diz, não é o suficiente para manter as despesas de praxe e as eventuais. “E de vez em quando eu também preciso comprar uma calça, uma camisa nova, um calçado, né?!”, menciona, sempre com um sorriso no final de cada frase.
Lembranças
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Ao discorrer sobre roupas e vaidades, veio na lembrança o nome da esposa, Ernestina, já falecida. Ernestina morreu nova. Doente do coração, indo para o trabalho, dia desses, caiu no meio da estrada e não levantou mais. Santo e Ernestina se conheceram nos interiores do município de Sobradinho. Ela tinha 19 e ele, 21. Casaram-se em uma igreja chamada Rincão da Aparecida, com direito à matança de um boi e a dois barris de vinho para os convidados. “Eu ‘tava’ de fatiota e ela de vestido branco. Foi muito lindo, meu rapaz.”
Anos mais tarde, o casal mudou-se para Santa Cruz do Sul com oito filhos, todos homens. Quatro já faleceram. Mas seu Santo não é de se lamentar das fatalidades da vida. Desde moço, quando ganhou um violão de seu pai, Taulentino, Santo sempre teve na música a animação de seus dias. Professor de si mesmo, aprendeu a tocar sozinho, de ouvido, ensinou a dois dos seus irmãos, Ernídio e Ataíde, e assim a família Chaves animava festas, casamentos e bailes na época. “Até quando alguém fazia ano se matava um boi”, recorda.
Como morador santa-cruzense, ele também já deixou suas marcas por onde passou. Em uma das firmas, onde trabalhava limpando banheiros, animava os colegas com seus versos nos intervalos. As letras, assegura, são todas compostas por ele. “Eu estudei só quatro ‘livro’. Mas minha cabeça é boa, não preciso anotar nada.” E então ele se ergue da cadeira e sai para a rua, a Adolfo Lamberts, onde mora, e mostra o que sabe. Depois do primeiro verso, até os clientes do Bar e Mercado da Rosa, que fica em frente, aparecem na porta para prestigiar o conhecido violeiro do Bairro Santa Vitória. Ao se despedir, ele agradece: “Vocês não sabem da minha faceirice em poder aparecer num jornal pela primeira vez em 93 anos de vida. Obrigado, de coração!”.
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