A mente às vezes falha, mas as lembranças estão lá, na cabeça de seu Lauro Jochims, o famoso “Treze” que, aos 92 anos, abre um largo sorriso quando os pensamentos se encaixam e ele consegue relatar com clareza as suas histórias. São muitas memórias, tanto no futebol, já que fez parte dos times do Santa Cruz e do Grêmio Sinimbu, quanto sob o comando do cinema de Sinimbu, em sua juventude.
A precisão dos dias e datas dos fatos foi perdida em grande parte, pois lá se vão quase 70 anos desde que o Treze ficou famoso nos campos da região. Aliás, ele já era assim entre seus amigos. O apelido vem de um resultado de uma pelada na infância, onde durante um jogo de futebol com os amigos, o guri de Sinimbu marcou 13 gols em um só jogo.
Mas esse não foi o único apelido em sua vida. Antes da façanha futebolística nos campos de Sinimbu, Treze era conhecido como “Ford”, também graças a um fato inusitado. Um dia, enquanto andava na carona do carro de seu pai, ele acabou caindo do veículo em movimento, o que lhe rendeu a alcunha alusiva à marca de veículos, e atualmente gera boas risadas quando Treze conta o fato. “Meu pai fez uma curva e eu fui”, contou, bem-humorado, da cadeira da sala de sua casa, onde vive com a esposa Yvone no Centro de Sinimbu, e recebeu a reportagem da Gazeta do Sul.
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Faro do gol dentro da área
Treze era atacante e sua missão, claro, fazer gols. E o apelido era o melhor cartão de visitas que qualquer “matador” dos gramados pode querer. Com a ajuda de seu filho, Rafael, seu Lauro conta que, em certo final de semana, na época em que estudava no Colégio Mauá, em Santa Cruz do Sul, a equipe do educandário saiu em excursão até o município de Porto Mariante, para enfrentar um time daquele município.
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No elenco santa-cruzense, havia dois atletas da cidade que reforçaram o time: Tinga, do Avenida, e Joãozinho, que era jogador do Futebol Clube Santa Cruz. Após a vitória no confronto fora de casa, com uma bela atuação e “quatro ou cinco” gols, como tenta lembrar, teve início uma mobilização entre os clubes profissionais para contratá-lo. “O pessoal do Avenida não queria que o Santa Cruz me contratasse e o pessoal do Santa Cruz não queria que o Avenida me contratasse”, recordou.
O Galo foi mais rápido. Já em uma segunda-feira, a direção carijó foi de carro até Sinimbu para contratar o Treze. O “valor” do passe foi incomum: para convencer o pai dele a deixá-lo vir para Santa Cruz encarar um desafio profissional, levaram até Sinimbu um barril de chope e carne para um churrasco.
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A estratégia deu certo. Não foram muitos anos no clube, mas o suficiente para fazer história. Além das participações em campeonatos regionais, o ex-atacante lembra com carinho do gol mais bonito de sua carreira, justamente durante um clássico Ave-Cruz. “Peguei a bola no meio do campo, driblei os zagueiros e o goleiro antes de fazer o gol”, destacou.
Era a final de um campeonato da região. O jogo inicial foi nos Eucaliptos – empate em 4 a 4 e 5 a 3 para o Galo na finalíssima, nos Plátanos. Na partida, ele conta também que cobrou um pênalti na trave com tanta força que a bola rebateu até quase o meio-campo. O Galo ainda mantém um sentimento especial no coração do atacante. Apesar da idade avançada, ele diz ainda se interessar pela vida de seu ex-clube. Diz que um dia gostaria de voltar às arquibancadas do estádio, apesar de sua dificuldade em se movimentar. “E não podem me cobrar ingresso”, brincou.
Além do manto alvinegro, Treze também defendeu as cores do Grêmio Sinimbu em partidas amadoras. Das vagas lembranças que ainda mantém, Lauro Jochims diz que foram muitos gols e muitas vitórias com a camisa vermelha do seu time local. Nas lembranças, o famoso clássico Tere-Bu, onde o time de Vila Tereza, atual município de Vera Cruz, enfrentava o Sinimbu, time de Treze. “O Santa Cruz e o Avenida não marcavam jogos no mesmo dia”, afirmou Treze. A justificativa era de que o clássico se apresentava como uma atração do futebol local na época, reunindo grandes públicos.
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Cinema transformou-se em uma nova atividade
Nos anos finais de sua história como futebolista, Treze encontrou uma nova atividade. A família de Lauro Jochims possui, até os dias atuais, um imóvel no Centro de Sinimbu, que recebia aos finais de semana as sessões de cinema, comandado” por um tal Sr. Brandão” – o nome completo já se perdeu nas memórias de Treze. Interessado no assunto, Treze decidiu por adquirir seu próprio equipamento e foi até Porto Alegre em busca de uma máquina. Entrou em contato com diferentes cinemas de Porto Alegre para conseguir filmes para reproduzi-los em Sinimbu. “Eu escrevi umas dez cartas e mandei pra lá.” A ação deu certo e os cinemas da Capital enviaram para Sinimbu as películas que já haviam saído de cartaz na cidade grande.
O cinema de Sinimbu decolava definitivamente, com os filmes do Tarzan, Três Patetas, Gordo e o Magro, Hércules, filmes de bang-bang, e da famosa companhia de Walt Disney. Mas sucesso mesmo faziam as produções nacionais. “O filme que mais lotava era do Teixeirinha, era sessão aos sábados e domingos, segundas e terças, duas sessões por dia. O pessoal vinha de carroça, de cavalo olhar o filme”, lembra o filho de Lauro, Rafael Jochims, mais conhecido como Lude, que acompanhava as atividades do cinema quando criança.
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Mesmo no interior, o cinema de Sinimbu não ficava sem a fiscalização sobre direitos autorais. Treze lembra uma história curiosa sobre quando um funcionário de uma empresa que detinha direitos de exibição dos famosos filmes da Walt Disney apareceu por lá. Ele já estava avisado da possibilidade: a telefonista da cidade à época descobriu a intenção do fiscal e a informação acabou chegando até o conhecimento de Lauro.
Para chegar até o interior, o fiscal veio de Porto Alegre e chegou de ônibus em Santa Cruz do Sul, de onde pegou outro coletivo em direção a Sinimbu. O que o fiscal não sabia é que, por coincidência, Treze também estava no veículo, voltando para casa, e durante a viagem ficou de olho no agente fiscalizador.
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Ao desembarcar, o fiscal questionou o próprio Treze sobre onde ele morava, sem saber que estava perguntando justamente ao homem que procurava: “Onde mora o Lauro Jochims?”. Treze não lembra exatamente como a conversa continuou, mas recorda que naquela tarde ele apressouse a recolher os cartazes do cinema pela cidade, para não dar provas sobre a exibição dos filmes que não tinha autorização oficial para reprodução. A medida não deu muito certo, pois à noite o fiscal foi até o cinema e questionou onde haviam parado os cartazes que estavam expostos. Ao final da história, o fiscal acabou entendendo a situação e permitiu a continuação da exibição dos filmes, não sem antes jantar com a família de Treze. “Ele acabou até olhando o filme da Disney, que nunca tinha visto”, ressaltou.
O cinema foi palco de várias histórias e ganhou fama em Sinimbu. Lude, filho de Treze, conta que o lanterninha, que iluminava a sala escura para quem precisasse se deslocar durante os filmes, era o pastor da cidade. “Tinha duas placas de ‘proibido fumar’, uma em cada lado do cinema. Quando alguém fumava, o lanterninha iluminava a placa, dando a entender sua mensagem.” Lude conta também uma história engraçada: havia um frequentador que costumava pegar no sono durante as sessões. Certa vez, os amigos do “dorminhoco” resolveram pregar uma peça. Ao final do filme, todos levantaram cuidadosamente para não acordá-lo e, ao despertar na sala completamente escura e vazia, seus colegas se divertiram com a situação.
No ano de 1970, foi instalada na sala de cinema a televisão na qual foi transmitida a final da Copa do Mundo, no México. Os moradores da localidade viram a seleção brasileira de Pelé e companhia sagrar-se tricampeã mundial. O futebol, aliás, não era exclusividade da TV. Antes das sessões de cinema, era comum a reprodução dos filmes do Canal 100, um cinejornal que produzia documentários com cenas de jogos de futebol dos times do centro do País, como o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha.
Com a popularização da TV, o cinema de Sinimbu começou a perder público. A máquina que reproduzia os filmes também sofreu com o passar dos anos, e ficou ultrapassada, sendo necessário um trabalho extra de manutenção. As atividades terminaram em 1978. Atualmente, além de suas memórias, mesmo que algumas tenham se perdido, Lauro Jochims continua sendo um “craque”, não do futebol, nem dos cinemas, mas em simpatia e hospitalidade, recebendo a todos com um sorriso contagiante e muita disposição para uma conversa.
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