Descortinar um olhar sobre um período de um século definitivamente não é para muitos. Avançar bem além dos 100 anos e, além de tudo, ainda registrar suas recordações, com uma memória privilegiada, então, é para raros.
Dessa estirpe é a gaúcha Matilde Hebert, que acaba de comemorar, em 29 de agosto, seus 106 anos, tendo lançado no primeiro semestre deste ano um livro autobiográfico, Uma mulher singular, pela editora Alcance. Em 96 páginas, ela se esmera em recuperar passagens marcantes de sua trajetória pessoal, com o direito de compartilhar registros e fotos por ocasião de seu aniversário de 105 anos.
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Nascida na localidade de Matiel, no interior de Montenegro, filha de Emília e Arthur Hebert, para mais tarde se fixar em Porto Alegre, a partir da capital gaúcha viajou pelo Brasil e pelo exterior. Por 44 anos foi casada com Adriano da Silva Gomes.
Ficou viúva em 1991, aos 73 anos, quando o marido faleceu de infarto. Desde então, divide seus dias em companhia de uma empregada (uma santa-cruzense, Elizabete Dettenborn), pois não teve filhos, do que, por sinal, no livro, não se arrepende. Ela começa por recuperar passagens de sua infância e adolescência, com as aprendizagens que aquele tempo, as décadas de 1920 e 1930, proporcionou.
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Faz questão de esclarecer que seus avós por parte de pai vieram da Dinamarca, ramo familiar que assim lhe legou a importante cultura escandinava. Seu avô Adolf tinha comprado um moinho, que faliu, o que motivou a posterior mudança dele e da esposa Marie, de novo casamento, para o Brasil, com quatro crianças, que ela criou na condição de madrasta. A avó era professora de letras e o avô, engenheiro.
Como aponta, o pai também transmitiu a quatro filhas (ela teve ainda as irmãs Emma, que viveu 95 anos; Alzira, que viveu 87; e Iracema, que também chegou a 95 anos) “o amor por um país ordeiro e bem governado, onde as leis são respeitadas, onde o povo é disciplinado e honesto. Eu sempre fui muito influenciada por estas informações e cheguei a me considerar sueca; tinha muito orgulho desta ascendência”.
Em sua caminhada de formação em Porto Alegre, dedicou-se às Belas Artes e conheceu, entre outros, o artista plástico Iberê Camargo, que foi seu colega em algumas aulas. Mais adiante, a convite de patrões com os quais trabalhava, mudou-se com eles para o Rio de Janeiro, em 1942. Mas logo retornou, e retornou para o interior gaúcho, fixando-se em São Sebastião do Caí. A partir de então, dona Matilde acumulou uma série de experiências profissionais. Em 1948 veio mais um momento marcante: seu casamento com Adriano, oriundo de Pelotas.
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Matilde detalha para os leitores, com muita lucidez e apontando circunstâncias, datas e personalidades envolvidas, as suas diferentes transferências de endereço durante os 44 anos de seu casamento com Adriano, até mesmo com sucessivas construções ou aquisições de novas residências, e com as peripécias que essas etapas envolveram. A fim de documentar tais passagens de sua vida, agrega uma série de fotografias, de diferentes épocas, desde a mais tenra infância.
Mais para o final de suas reflexões, aponta, no livro, para uma série de lições valiosas que a vida lhe inspirou. Por exemplo: “Invariavelmente controlei minhas emoções. Procurei torná-las leves, mesmo que as coisas desagradáveis da vida fossem mais numerosas que as agradáveis”. Ou ainda: “A vida é um fardo pesado, as dores são muito maiores que as alegrias e o que nos espera no futuro é a velhice e a morte. Esta certeza, quando se aproxima, é terrível e desesperadora.”
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Por aí pode-se se inferir que dona Matilde não usa de subterfúgios ou meias-palavras, indo direto ao ponto em suas considerações ou nos conceitos que emite. Talvez porque tenha a percepção de que, após uma vida intensa de 105 (agora já 106) anos, não faça muito sentido tergiversar.
Uma das parcelas finais de seu livro de memórias dona Matilde dedica a tecer comentários acerca de viagens que realizou, como a de reencontro com a Escandinávia de seus antepassados, bem como as passagens por inúmeros outros países da Europa, incluindo Paris. É, definitivamente, um livro singular, de uma mulher igualmente singular.
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“Não tenho explicação para a minha longevidade, mas tenho motivos para concluir que os chás de antigamente produzem efeito. Sempre apelei para chás, mas no período dos 80 anos 100 anos tornou-se um hábito diário, cada planta tinha uma finalidade. Uma era para o bom funcionamento do coração, outra para os rins e a terceira para fígado e aparelho digestivo. Ao completar meu centenário, abandonei os chás, pois já não interessava prolongar muito a minha velhice. Tomo só um comprimido à noite, de Angipress, de 50 miligramas, e não vou a médico há 5 anos. Não quero que me estraguem mais uma parte do organismo como foi com meu olho e rim. Sempre fui observadora e dei muita importância ao meu cérebro. Exijo muito dele, o qual sempre me deu boas respostas”.
– Uma mulher singular, de Matilde Hebert.
– Porto Alegre: Alcance, 2023.
– 96 páginas. R$ 30,00.
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