Trechos de um dos livros mais lidos de todos os tempos, O pequeno príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry, publicado em 1943, no calor da Segunda Guerra Mundial, têm sido citados de forma recorrente nos últimos dias, quando o mundo encena nova guerra, desta vez contra um vírus. Quase 80 anos após seu lançamento, esse enredo reverbera no imaginário das pessoas, com frases como “tu te tornas eternamente responsável por tudo o que cativas”. Em tempos de ameaça do coronavírus, as lições de humildade do pequeno príncipe, que conta histórias de seu pequeno planeta, a partir do qual veio parar na Terra, tocam o coração e a mente de cada leitor.
E talvez as aventuras do próprio Saint-Exupéry possam interessar ainda mais aos gaúchos quando souberem que o escritor teve um curioso vínculo com… o Rio Grande do Sul. Mais especialmente com Porto Alegre e Pelotas. O contato é, naturalmente, anterior ao período em que escreveu sua obra-prima. Entre 1929 e 1931, Antoine, nascido em Lyon em 29 de junho de 1900, na altura dos seus 30 anos era aviador – tendo obtido o brevê de piloto próximo de completar 21. Ele fora nada menos do que um dos pioneiros da Sociedade Latécoère de Aviação, voando entre a França, o Marrocos e o Senegal. Como era também exímio escritor, estreou em 1929 com seu primeiro romance, Correio Sul.
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Em seguida, passou a fazer parte da Compagnie Générale Aéropostale, companhia de aviação pioneira dedicada à entrega de correspondências, fundada em 1919, e que deu origem à Air France. A Aéropostale, em meio ao movimento de popularização mundial da aviação, estabeleceu as linhas de serviço postal na América do Sul, rota que incluía voos para cidades brasileiras, como Recife, Rio de Janeiro, Florianópolis e Porto Alegre, e depois rumo a Buenos Aires e ao extremo sul argentino. Nas passagens por Porto Alegre, era comum que Saint-Exupéry e seus colegas, como os igualmente pioneiros Mermoz e Guillaumet, fossem vistos circulando pela Rua da Praia no início da década de 30.
Quem o registra é o jornalista Nilo Ruschel, nascido em Estrela em 1911 e que se mudou para Porto Alegre em 1922. Ruschel foi jornalista no Diário de Notícias e na Folha da Tarde, e radialista na Rádio Difusora. No livro de memórias Rua da Praia, lembra fatos pitorescos da mais popular via pública da capital gaúcha. E menciona que Saint-Exupéry podia ser visto instalado a uma mesa no Café Colombo, que funcionava na esquina da Rua da Praia com a Ladeira, imediatamente à esquerda, tomando uma hidrolitol, espécie de refrigerante da época. Ao lado de seus conhecidos, chamava a atenção com seu clássico casaco de couro que os aviadores usavam.
Em outra ocasião, teria sido convidado para um churrasco na zona sul da cidade, além de ter dado um mergulho no Rio Gravataí. Saint-Exupéry gostava muito do céu de Porto Alegre – enquanto, acrescenta, Mermoz gostava era das mulheres da capital. Porto Alegre é referida, por exemplo, em seu segundo romance, Voo noturno, lançado em 1931, quando, em viagem à noite, vindo de Buenos Aires (a orientação noturna ainda era quase tabu mundial para a aviação), um piloto diz já enxergar “as brumas para o lado de Porto Alegre”.
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Ele era o Zé Perri
Após longo intervalo sem publicar, às voltas com os voos entre a América, a Europa e o Norte da África (nos quais não escapou de graves acidentes), em 1939 Saint-Exupéry lançou Terra dos homens, com reflexões sobre os modos de vida nos diferentes lugares pelos quais passara. E em 1942, no calor do conflito global, publicou Piloto de guerra, para no ano seguinte lançar sua obra mais famosa.
Quando já atuava com a esquadra francesa, ao lado dos Aliados, na Europa, foi incumbido de monitorar o movimento das tropas alemãs na região do Vale do Ródano. No dia 31 de julho de 1944, seu avião Lightning desapareceu, quando recém completara 44 anos.
Em 1998, um pescador de Marselha localizou uma pulseira prateada com o nome do escritor e de sua mulher, Consuelo. Um arqueólogo submarino iniciou uma busca aos possíveis restos da aeronave de Saint-Exupéry. De fato, uma década mais tarde, os localizaria. Hoje, parte do avião está exposta em museu na cidade de Bourget.
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No Brasil, além de suas passagens por Porto Alegre, o escritor é lembrado por paradas no Bairro Campeche, no Sul da Ilha de Santa Catarina, que era usada como ponto de parada dos pilotos da Aéropostale. Na região funcionava o Campo da Aviação, e eles aproveitavam para reabastecer o avião.
Pescadores das proximidades o chamavam de Zé Perri, que era como
compreendiam, em português, a pronúncia do nome em francês. Do mesmo modo, Saint-Exupéry é lembrado em Pelotas, onde a rota postal fazia parada para deixar correspondências.
Atualmente, quase todas as obras do francês estão disponíveis em livrarias e sebos no Brasil, em edições de diferentes editoras, com destaque para a Nova Fronteira. Em tempos de quarentena, é possível ler e lembrar de um dos escritores mais queridos de todos os tempos.
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