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ENTREVISTA: “Antes de mais nada, é preciso equilíbrio”, diz presidente da ANJ

Um santa-cruzense ocupa uma das funções de maior relevância nas comunicações sociais da atualidade no Brasil, em um período marcado por inúmeros desafios para os veículos de imprensa em geral. O jornalista Marcelo Rech, 61 anos, é o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), desde 2017, representando o Grupo RBS. Cumpriu por 37 anos uma exitosa carreira junto à RBS, até a condição de vice-presidente Editorial e Institucional, função executiva da qual se desincumbiu no ano passado, mas ainda atuando, desde então, como consultor, jornalista e colunista. Anteriormente, Rech também fora presidente do Fórum Mundial de Editores, entre outros cargos e funções de destaque.

Formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), em 1981, é pós-graduado em Gerenciamento de Centro de Mídia e em Comunicação Digital e Mídia/Multimídia na Nortwestern University/Kellogg School of Management; e em Estratégia de Mídia na Harvard Business School (EUA). É filho de Luiz Antonio Rech, militar da reserva, e de Ilse Irene Rech (Schmitt, de solteira), tendo o irmão Alexandre, médico em Porto Velho. Por parte de mãe, é neto de Lucy Schmitt, que era filha de Irene Kraether, da antiga casa Kraether. Sua avó paterna é Célia de Brito Rech. É, portanto, tetraneto do Tenente Coronel Brito.

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Uma vez que o pai era militar, desde criança acostumou-se a mudar de uma cidade para outra. A primeira vez foi quando tinha apenas dois meses, e o pai foi transferido de Santa Cruz para Pelotas. Depois morou no Rio de Janeiro e em Salvador, viajou à Alemanha, retornou ao Rio, em seguida a Blumenau, até se fixar em Porto Alegre.
Atualmente morando em Haia, na Holanda, foi a partir de lá que Marcelo concedeu entrevista, por e-mail, à Gazeta do Sul, na qual avalia o momento atual da atividade da imprensa no Brasil e no mundo.

ENTREVISTA
Marcelo Rech
Jornalista, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ)

Gazeta do Sul – Os últimos anos têm sido de recorrentes ataques e agressões, verbais e por vezes físicas, a jornalistas e sedes de veículos de comunicação no Brasil. O que essas atitudes e ações sugerem ou significam, ou para que sinalizam? Por que a imprensa incomoda tanto, e a quem ela estaria incomodando?
Marcelo Rech –
Em nenhuma parte do mundo, o jornalismo independente é a melhor forma de fazer amigos nos governos e agradar a políticos e governantes. Jornalismo pressupõe vigilância, checagem constante de declarações e dados oficiais, e isso incomoda quem se sente prejudicado. A diferença está na reação ao jornalismo. Governantes democráticos que compreendem o papel do jornalismo podem até reclamar quando consideram uma crítica injusta, o que é normal e salutar em uma democracia. O problema está nos governantes autocráticos, que reagem com intimidações, censura indireta por meio de pressões econômicas – contra anunciantes, por exemplo – e chegando até a prisões e assassinatos de jornalistas. Instar seguidores fanáticos a perseguir jornalistas, seja nas redes ou fisicamente, é um novo fenômeno – e o Prêmio Nobel da Paz deste ano, para a filipina Maria Ressa e o russo Dmitry Muratov, demonstra a preocupação mundial com esses ataques.

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O cenário atual pode ser entendido como algo novo, mais intenso do que até então, ou o senhor entende que a imprensa sempre constituiu alvo?
A novidade está na sofisticação dos ataques, com coordenação de robôs digitais para intimidar jornalistas. Quem não se alinha à visão de governo, ou de partido, sofre um assédio virtual enorme, que inclui por vezes a invasão de contas pessoais e ameaças a familiares. É um método mafioso de intimidação.

O que se requer, no cenário contemporâneo formado por diferentes mídias e plataformas, de profissionais e gestores e das próprias empresas de comunicação? Como devem agir e se posicionar num momento desses?
Antes de mais nada, é preciso equilíbrio. Em um mundo artificialmente polarizado pelas redes sociais, o jornalismo e os veículos devem servir de pontes entre as bolhas de opinião. As pessoas nem se dão conta, mas de uma hora para outra só consomem informações e versões de um lado – seja porque o grupo de amigos envia mensagens que reforçam posições, seja porque o algoritmo das redes envia mais do mesmo para o usuário a fim de estimular o engajamento. O jornalismo deve romper esse ciclo, ainda que com o custo das reações indignadas, para demonstrar que o mundo não é pintado de uma só cor.

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Havia, nos últimos anos, discurso recorrente de que os jornais impressos (também revistas e livros) poderiam estar num ocaso. Esse discurso ainda subsiste? Como jornais e outros impressos se comportam no mundo?
As circulações impressas, de fato, sofreram quedas acentuadas nos últimos anos, em quase todo o mundo, mas ainda se mantêm como uma robusta plataforma de comunicação. O impresso permite ao leitor se desligar do que está em torno e se concentrar na informação e na publicidade – ou seja, com o máximo de engajamento. Também é portátil e conveniente. Muita gente não abre mão desse hábito e assim continuará sendo por muito tempo.

E a coexistência entre jornais impressos ou digitais e os portais de notícias, como tende a ser a relação entre esses dois meios num futuro a curto e médio prazos?
São complementares. O impresso, em geral, traz uma informação mais decantada e analítica. O digital é mais rápido, mais em cima do fato. Os dois são importantes como formação de marca e transmissão mais adequada da informação no tempo certo e disponível do leitor.

As mídias, em geral, precisam equilibrar os pilares produção de conteúdo e viabilização econômica/financeira. Como o senhor vê o mercado, dentro e fora do País, para as empresas de comunicação? Qual tende a ser a melhor estratégia para manter a atração de parceiros e, claro, de leitores/ouvintes/consumidores de conteúdo?
Os meios de comunicação vivem um paradoxo. Nunca tiveram tanta audiência, somadas todas as plataformas, mas ao mesmo tempo perdem receitas, o que prejudica os investimentos para a concorrência digital. Essa situação decorre do fato de que existe um duopólio digital, formado por Google e Facebook, que embolsa mais de 70% das receitas publicitárias digitais e dificulta enormemente o surgimento de concorrentes. A saída encontrada na Europa, Austrália e agora no Canadá é obrigar as plataformas a negociarem com os meios de comunicação valores justos pelo uso de seus conteúdos. Não se trata apenas de uma questão de direito autoral: o jornalismo faz a limpeza da poluição social despejada pelas redes, mas esse trabalho tem um custo que precisa ser remunerado para o bem das democracias e da sociedade, que precisam de informações verdadeiras e fatos reais para a tomada de decisões corretas.

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Com o olhar de quem atua e acompanha a comunicação no País, a imprensa brasileira cumpriu a contento sua missão no período de pandemia? Algo poderia ter sido melhor?
A imprensa soube estar à altura de sua missão na hora mais grave do País. Combateu a desinformação, abriu espaço para a ciência – não apenas do Brasil, mas mundial – e desvendou charlatanices e crendices que costumam aparecer nessas horas. Esse trabalho está sendo reconhecido agora com a entrega do Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa a duas iniciativas que juntaram concorrentes para levar ao público a melhor informação disponível e para combater as fake news: o Consórcio de Veículos e o projeto Comprova.
De outro lado, fazendo uma autocrítica, a imprensa não conseguiu identificar em toda a sua dimensão os escaninhos da corrupção, dos lobbies e interesses difusos na compra de vacinas e de equipamentos. Esse mérito cabe em grande parte à CPI da Covid.

A desinformação e as fake news tornaram-se uma constante em tempos de internet e mídias sociais. Como a sociedade pode e deve se blindar contra tais ameaças, até à própria democracia?
A responsabilidade primeira é das plataformas onde a desinformação se propaga. Nenhuma empresa pode tolerar que seu negócio se sustente ou de alguma forma colabore para a toxicidade da sociedade. Google e Facebook, entre outros, podem fazer muito mais. Para começar, devia ser atendida a Constituição brasileira, que diz: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou seja, se coibirem os robôs e as ofensas anônimas, as plataformas já eliminam grande parte do esgoto digital. O Linkedin não aceita usuários anônimos ou falsos – por que os outros não fazem o mesmo?

Qual é, na avaliação do senhor, e para o bem de uma sociedade, o melhor cenário para a atuação de profissionais da comunicação, para a informação pública? Em realidade mundial, hoje, algum país serviria como um bom exemplo, um modelo, uma inspiração?
Como ex-presidente e atual vice-presidente do Fórum Mundial de Editores, convivo com a imprensa de todo o mundo há muitos anos. De uma forma geral, o jornalismo brasileiro está no mesmo padrão das melhores experiências mundiais, como nos EUA, na Alemanha e na França. Somos inovadores, temos conceitos éticos consolidados ao longo de décadas e valorizamos a credibilidade em primeiro lugar – sempre há, claro, exceções, mas a regra geral é essa.

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A Gazeta, com jornal diário, rádios e portal de notícias, é um exemplo de veículo de atuação local e regional, com um histórico de presença junto a essa comunidade. Na condição de presidente da ANJ, como o senhor vê o papel ou a relevância de tais veículos?
A imprensa regional é a mais imprescindível de todas, porque não há substituto para a informação local. Quando se tratam de notícias internacionais, nacionais ou mesmo estaduais, há muitas fontes – mas no caso da regional são poucas as qualificadas como jornalismo profissional. Um veículo regional é um elo da comunidade com ela mesma – e sou testemunha de como a Gazeta tem sido fundamental ao longo de muitas décadas para que Santa Cruz e a região se conheçam melhor e avancem social, cultural e economicamente.

Por fim, o senhor possui vínculo com Santa Cruz. Com que frequência tem conseguido visitar a cidade, que impressões tem dela, e como enxerga essa região na socioeconomia gaúcha?
Sou um orgulhoso santa-cruzense. Embora, por ser filho de militar, tenha morado muito pouco tempo na cidade, toda a minha família materna e paterna é de Santa Cruz. Os mais velhos talvez se lembrem da Casa Kraether – era da minha bisavó, Irene Kraether. Tenho também muitos primos e dois tios queridos, Cláudio (meu padrinho) e Moina Rech, vivendo em Santa Cruz. Passei muitas férias, carnavais e feriadões na cidade, o que me ajudou a abrir os olhos para o fato de como é possível conciliar desenvolvimento com qualidade de vida no Brasil. Santa Cruz tem problemas como todas as cidades, mas é um exemplo que merece ser ainda mais valorizado dentro e fora do Rio Grande do Sul.

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