Talvez nenhum acontecimento como o Natal confirme melhor o conceito de que o melhor da festa é esperar por ela. Mesmo em tempos de tantas angústias e incertezas, um clima diferente, meigo e até nervoso desce sobre as cidades, as casas, os corações. Sentimentos muitas vezes ausentes durante o ano, como a solidariedade, o amor, sorrateiramente se aninham em nós, despertando a fraternidade, a compaixão. Parece que a generosidade celebra um pacto, porque é Natal.
Natal é o propício tempo dos reencontros, dos atrasados abraços, dos represados afetos. Como um amoroso ímã, os lares (em geral paternos ou maternos) atraem os ausentes, os distantes, até os esquecidos. As rodoviárias, os aeroportos, as rodovias se tornam insuficientes para transportar tanto desejo de amar, tanto desejo de abrandar a ausência que os exigentes dias do ano não cansam de impor. O Natal é, acima de tudo, uma festa de família. Nesse dia, as idades se apagam e quase todos assumimos alma de criança.
Na literatura, sobretudo na poesia, o Natal é tema recorrente. Mas, é uma pequena crônica de Clarice Lispector que muito me toca toda vez que me deparo com ela. Pela riqueza, transcrevo-a integralmente, até porque remete a um grande natal universal de que tanto carecemos. O título é “Também é Natal para eles”.
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“Não posso. Vejo que é mais forte do que eu. Mal posso pensar na cena que visualizo e que é real.
O filho está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com fome. Ela insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela repete desesperada: durma! Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu chato! Os dois ficam em silêncio, imóveis no escuro enquanto Jesus nasce. Será que adormeceu? pensa a mãe toda acordada. E o menino está amedrontado demais para se queixar. No céu as estrelas que guiam os reis magos mas embaixo a noite negra e os dois estão despertos. Até que de dor e cansaço ambos cochilam no ninho da resignação. Mas eu não aguento a resignação. Vivo com prazer sádico a minha grande revolta.”
Se Natal é tempo de encontro, de alegria, de confraternização, para muitos é também tempo de saudade, de recordação, porque remete invariavelmente à infância. No seu “Soneto de Natal”, Machado de Assis reflete sobre isso. Um homem, já maduro, quer escrever um soneto sobre suas recordações dos dias de pequeno, no entanto consegue apenas um verso, o último: “Mudaria o Natal ou mudei eu?” Embora melancólico, o poema é um convite a que nunca percamos o sentido verdadeiro, o mágico clima do Natal, a sobreposição do simples ao pomposo, da manjedoura ao suntuoso palácio, do espiritual ao material.
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Que o Natal favoreça tempos de mais paz (“Paz na terra aos homens de boa vontade”), de mais harmonia, de menos desnecessários conflitos pelos mais banais motivos, de menos corações sempre em prontidão para atacar, agredir, humilhar. Que as doces melodias natalinas transcendam este tempo e continuem ecoando em nossas vidas para sempre.
Feliz Natal aos meus generosos leitores!
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