Em poucas horas, o que era um motivo de alegria virou drama para duas mães homoafetivas de Encruzilhada do Sul. Elas comemoravam o fato de terem conseguido registrar em cartório, sem maior burocracia, o nascimento do filho Pietro, ocorrido no último dia 17, quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, servidores do cartório informavam que a certidão, recém emitida, não teria mais validade.
A notícia deixou indignadas a mãe biológica de Pietro, Carla Gonçalves, 21 anos, e a esposa Katiele Côrrea de Oliveira, 23. “Nós chegamos em casa com o documento em mãos. Estávamos felizes, radiantes. Quando recebi aquela ligação, nem soube como agir. Foi uma brincadeira com os nossos sentimentos”, comentou Katiele.
As mães decidiram buscar seus direitos através da intermediação do advogado Zeno Fernando Struk, que entrou em contato com o oficial do registro civil, Leandro da Silveira. Segundo este, no dia do registro faltou uma declaração que deveria ter sido encaminhada para apreciação no Judiciário. Trata-se do termo de reconhecimento de filhos socioafetivos. “Esse termo precisa comprovar que não foi caso de reprodução assistida e que também não há interesse do pai biológico em criar a criança”, esclarece o advogado Zeno Struk. No caso, o pai biológico é um amigo das duas, que topou ajudá-las a realizar o sonho de ser mães.
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Agora, conforme Silveira e Struk, o termo será encaminhado ao Ministério Público, que deve emitir o despacho. Somente após esse processo é que o oficial do cartório poderá concluir o registro com os nomes de Carla e Katiele como mães do Pietro. A expectativa é que o processo dure cerca de 15 dias.
ALÍVIO
Depois do susto, as mães, é claro, comemoram. “Desta vez vamos cuidar para não cantar vitória antes do tempo, mas, com certeza, esta notícia nos trouxe muito alívio. O Pietro é o nosso bem maior. Mudamos toda a nossa rotina para receber ele e oferecer todo o cuidado que precisa. Só queremos a certidão conforme está. Assim como a Carla, eu também tenho direito de ser a mãe dele”, finalizou Katiele.
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O registro em cartório de filho com duas mães ou dois pais, sem envolvimento da Justiça, só pode ser feito em caso de reprodução assistida
ENTENDA
Conforme explica o terceiro registrador substituto do Registro Civil de Santa Cruz do Sul, Felipe Diehl Burtzlaff, atualmente no Brasil o registro em cartório de filho com duas mães ou dois pais só pode ser feito em caso de reprodução assistida, ou seja, quando há inseminação artificial. De acordo com provimento do Conselho Nacional de Justiça, de 14 de março de 2016, os cartórios não podem se recusar a efetuar a certidão de nascimento de crianças nesses casos. Até então, esse registro só era feito por meio de decisão judicial. “Se não for por reprodução assistida, outra forma é a entrada de adoção”, esclarece.
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De acordo com o presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, Conrado Paulino da Rosa, para dar entrada no processo de adoção os casais homoafetivos devem passar pelo mesmo processo que os casais heterossexuais. “É o mesmo passo a passo, com entrevistas, cursos de preparação, lista de espera e outras exigências.”
Conrado observa que também há o caso da multiparentalidade – onde uma criança tem registrados dois pais e uma mãe, ou vice-versa. O primeiro caso no Brasil aconteceu em Santa Maria há dois anos, quando o juiz Rafael Cunha permitiu que a pequena Maria Antônia fosse reconhecida por pai e mãe biológicos e ainda por uma mãe socioafetiva. “Em sua argumentação, o magistrado ponderou que afeto demais não era o problema. O problema era a falta de afeto”, relembra Conrado. Depois do episódio inédito, o advogado aponta que muitos outros casos semelhantes tiveram êxito em todo o País.
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