Com 9 anos, Anderson Ferreira Castilhos Faturi empurrava pelas ruas de Santiago um carrinho de picolés. Era o primeiro “emprego” do primogênito de uma empregada doméstica. Com 21 anos, passaria a percorrer as mesmas ruas. Dessa vez como carteiro. Até hoje desperta de madrugada assustado com os pesadelos de não ter entregue todas as cartas. Aos 34, em sua sala de delegado da Polícia Civil, em Rio Pardo, ri ao lembrar que também precisava fugir dos cães enfurecidos.
Antes de ser delegado, Anderson colecionou uma série de profissões. O menino dos picolés também aprendeu que podia ganhar uns trocados carregando a cestinha para a vizinha que vendia pães caseiros. O exemplo vinha da mãe, que ele acompanhava desde pequeno nas casas em que ela trabalhava como doméstica. O menino era o mais velho dos quatro filhos. E o garoto tinha um sonho. Se tornaria engenheiro.
Aos 13 anos, tornou-se auxiliar de escritório e aos 15 auxiliar de padeiro. Quando chegou a hora de cursar a faculdade, prestou vestibular na federal em Santa Maria, com o objetivo de realizar seu sonho. Mas ele não passou. Se espelhando no pai de criação, advogado, optou então por cursar Direito, em Santiago. Conseguiu uma bolsa para garantir os estudos. E ali se apaixonou pelo curso.
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Anderson trabalhava durante o dia e estudava à noite. Nessa época foi empacotador de supermercado, chapista em uma lancheria e teve outros empregos. Tentou até ser vendedor de planos funerários, mas não era muito bom com vendas. Tornou-se pai da primeira filha, aos 18 anos, e passou no concurso para carteiro. Inconformado com a vida de “trabalhar muito e ganhar pouco”, seguiu fazendo concursos.
Um encontro ao acaso definiria o ingresso de Anderson na polícia. Ao longo da faculdade decidiu que pretendia ser delegado, mas isso ainda era um sonho distante. Foi um colega que o convenceu a tentar o primeiro concurso para policial. A inscrição foi feita no último dia. Acabou aprovado. O colega não. Também passou nos concursos para capitão da Brigada Militar e escriturário do Banrisul. Desistiu de ser brigadiano por se considerar muito rebelde e questionador para viver no universo militar.
Decidiu continuar sendo carteiro. Os colegas não compreendiam a decisão. Chegou a advogar por um ano e meio em Santiago, mas descobriu que não tinha vocação para aquilo. Em 2007, enfim convocado, deixou a cidade natal para residir em Porto Alegre e fazer o curso para policial. Sem nenhuma afinidade com armas de fogo, precisou fazer cursos extras. “Nunca tinha pego uma arma na mão. Foi difícil, mas no fim deu tudo certo”. Na Capital, atuaria como escrivão nas delegacias da Restinga, do Rubem Berta e no Departamento Estadual de Narcóticos (Denarc). Nesse período ouviu de um delegado que um bom policial precisa raciocionar e ser muito questionador. Naquele dia teve certeza que estava na profissão certa e que seria delegado de polícia. Desta vez, ele estava certo.
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“Um dia nunca é igual ao outro”
Formado delegado em 2010, Anderson seguiu para Rio Pardo. Hoje é responsável também pelas delegacias de Pantano Grande e Encruzilhada do Sul. Nos quase sete anos que acumula na função, aprendeu a ser menos emocional e mais racional. “Com o tempo a gente começa a enxergar as coisas com mais frieza. Eu digo para o pessoal que a gente não pode se apaixonar pelo caso. Tem que fazer o trabalho, mas de forma profissional ou a frustração, caso algo não dê certo, é maior”, conta.
O seu lado rebelde ainda briga com a burocracia do trabalho de gestão, o que considera o mais difícil na profissão. Aprendeu também que outra dificuldade é manter os círculos de amizades, que se tornaram mais restritos. Mesmo com três filhos, a caçula com pouco mais de um ano, considera que não ter rotina é um dos principais atrativos da polícia. “Um dia nunca é igual ao outro”. Mas a satisfação está mesmo em poder fazer a sua parte. “A principal realização é poder fazer a diferença na vida de alguém. Poder ajudar. Saber que está somando”.
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O futuro
A rotina atribulada fez o delegado se distanciar dos estudos. Por isso, para o futuro ele pretende cursar mestrado e seguir atuando em outra área pela qual tem muito apreço. Em três cursos de formação da Polícia Civil foi professor de Direito Penal e Direito Constitucional. As diárias recebidas mal cobriam o custo com o combustível. Ainda assim, ele pretende continuar conciliando a vida de professor com a de delegado. “É porque eu gosto mesmo”.
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