A poucos quilômetros de Horizontina estava o rio Uruguay. Do outro lado, a Província de Misiones, Argentina, cuja capital é Posadas, nas margens do Rio Paraná. Muito fui para lá nos feriados e fins de semana.
E ali entrei em contato com uma cultura cuja existência estava longe de imaginar. Aprendi a admirar os chamamés, os vocais, o peculiar jeito de tocar guitarras, a conservação do idioma guarani, a inspiração poética contida nas composições musicais.
Me dei muito bem lá mas, devido a uma séria moléstia de meu pai, decidi pedir remoção para Arroio do Meio. Lá chegando, constatei um “probleminha”. Todos pagavam as contas, quase ninguém brigava, tinham o costume de cumprir as leis e com isso eram poucos , muito poucos, os processos. Dois dias por semana de audiências e estava pelada a coruja. Em vista disso o Tribunal me designou para, dois dias por semana, jurisdicionar uma vara em Soledade.Até que um dia fui promovido e o presidente do TJ me chamou:
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– Preciso que assumas a Comarca de Santiago, que está vaga há dois anos, com centenas de processos represados.
Agradeci, disse que estava honrado, mas preferia ficar numa cidade perto de Santa Cruz. O presidente me derrubou quando afirmou que eu era o cara talhado para a missão.
Eu nunca tinha ido além de Santa Maria. Mas peguei meu Corcel novinho e me fui. Em São Pedro terminava o asfalto. Dali em diante , só pedras e buracos. E ia matutando: “ bah, entrei numa roubada…”
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Ao chegar à cidade, logo constatei ser o povo muito gentil e hospitaleiro. Os advogados estavam ansiosos pela presença de um juiz. Em poucos meses, as pilhas de processos tinham sumido.
As rádios quase só rodavam músicas nativistas. Logo constatei que eram trabalhos bem feitos, boa harmonia, letras sensíveis e inspiradas, na maioria. Eu, que antes achava que música nativista era quase só patacoada, revi essa falsa ideia.
A cidade era totalmente diferente de quase tudo que eu conhecera. Muita gente de botas e bombachas, mesmo no dia a dia. O jeito de falar, com o “ t” bem seco, o “l” bem pronunciado e muitos termos que não conhecia.
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Devagar fui me integrando. Comecei a participar de tertúlias, sempre levando meu violino, coisa rara na região, onde violão e gaita imperavam. De vez em quando visitava fazendas, o que me fez descortinar um novo mundo, ao qual me afeiçoaria para sempre.
Eu era jovem, na época. Tinha 26 anos. Estava nascendo o Cruzeiro, um clube de futebol do qual fui vice-presidente , que hoje tem um belo estádio. Comecei a treinar com os reservas, na zaga. Nos titulares, atuava um moreno forte como um touro, de apelido Tramontina. Pois num treino ele se veio com a bola, atropelando tudo que se lhe antepunha, ou seja, “ derrubando cercas e aramados”. Dei um carrinho nele e ele foi parar pendurado no alambrado.
– Quem é esse louco? – uivou o Tramontina.
– Fica quieto, rapaz, aquele é o nosso juiz! – gritou-lhe o dono da rádio, Jaime Pinto.
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Ao que o moreno redarguiu:
– Se é juiz, por que não foi apitar no meio do campo!!!
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