Nunca gostei de aniversários. Dos meus. Agora, depois de repetir esta data por 70 vezes, vejo que as oportunidades não minguam, mas aumentam. Dirão alguns que se cresce em experiência, outros que “se chegamos até aqui, vamos adiante”. Provavelmente tudo o que se disser terá uma parte de verdade e outra, maior, de incertezas. Prefiro as últimas. As imprecisões são bem mais desafiadoras do que as convicções. Aliás, destas, resta uma: a de que elas mais atrapalham do que ajudam.
Nem sequer tenho a convicção de que fazer um retorno sobre a própria trajetória para avaliar erros e acertos tenha algum sentido. Facilmente escorregamos para uma espécie de balanço, contabilizando discutíveis acertos e erros, quase sempre carregando peso nos primeiros e minimizando as falhas. A tentação de elaborar um currículo do que se fez, do caminho trilhado, dos atarefamentos, das dificuldades superadas e das vitórias conquistadas se apresenta como uma possibilidade que nos empanzina, como um almoço excessivo nos conduz à rede estendida entre o nascimento e o presente.
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Uma rede à sombra, embalada pelo tempo transitado, não nos é de todo desprezível. Todavia, entre as incertezas que nos instigam, ao invés das malhas acomodativas que nos recolhem sobre nós mesmos, podemos optar pela brisa feito vento que nos empurra para novos horizontes. Quanto à biografia, que costumamos supervalorizar como se tivéssemos realizado bem mais do que muitos esperavam, esse vento vira ventania ao nos darmos conta de que é através dos outros e do entorno que surge melhor avaliação. Como estão os que comigo conviveram? As pessoas com quem tive contato se tornaram melhores? Os lugares por onde circulei estão mais protegidos? As águas nos cumprimentam? Como chegam ao anoitecer as pessoas pelas quais passei? Dormem em paz? Amanhecem motivadas? Estão mais felizes? Amigos, parceiros, parentes e familiares como estão? Vera, Caio, filhos Rodrigo e Aline se amam?
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Eis nossa métrica: os outros e a natureza. Os de quem sequer lembramos, aqueles que cumprimentamos sem saber quem eram, tantos a quem dedicamos esforços, muitos que nos solicitaram compreensões, tantos… tantos… todos e tudo, um pouco do que 70 anos podem reunir. Fazer aniversário não é propriamente um encontro com a data natalícia, mas com a coexistência das outras pessoas, criaturas e tudo que nos rodeia. Eis a grande sacada. Perceber-se nos outros e no meio, e não na gente mesmo. Encontrar-se no riso dos que seguem junto. Pela manhã sombrear discretamente de um lado, à tarde do outro lado, e ao meio-dia almoçar da mesma comida. Dormir sob as mesmas estrelas. Perante a tempestade, encontrar guarida comum. Sim, se ver nos outros e nos universos.
Os outros são muitos, estes, em parte, distanciados, em parte proximais, em outra parte, por toda parte. Assim como meus dois netos, Sofia e Arthur, que, não faz muito, me taparam de areia, enquanto sonecava ao sol. Ao me dar conta da brincadeira peralta, fui empurrado para a água, ao tempo em que acautelaram uma pessoa que passava: “Cuidado com ele, é um idoso selvagem!”
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