Santa Cruz do Sul

Ana Paula Knak luta pela liberdade dos cavalos

Debaixo da sombra de uma araucária centenária, com vista para o lago que abraça uma dimensão de 48 hectares de terra, Ana Paula Knak observa os 32 cavalos resgatados de situações de maus-tratos. No sítio, que fica em Linha Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul, os animais passeiam alimentados, felizes e livres. A realidade de que esses bichos desfrutam atualmente é resultado do trabalho de muitas mãos solidárias que abraçaram a bandeira do Projeto Cavalo de Lata. No entanto, ele nasceu, foi sonhado e cultivado no coração de Ana durante muitos anos.

Conciliando o trabalho como vendedora publicitária, Ana Paula passou o ano de 2011 se dedicando, ao lado do marido, Jason Duani Vargas, à criação do protótipo de um carrinho elétrico que pudesse substituir as carroças na coleta seletiva de lixo nas ruas com o sistema de tração animal. Hoje, o carrinho é usado no transporte de resíduos na empresa Philip Morris. Em 2012, nasceu o projeto Cavalo de Lata. Conforme Ana, seria também uma forma de otimizar o trabalho dos papeleiros – maioria dos usuários de equinos. A missão era árdua, uma vez que quase todos os trabalhadores dessa categoria dispunham apenas de um animal e uma carroça para auxiliar na coleta e sustentar as famílias.

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Persistência

Diante dessa realidade, o Cavalo de Lata se tornou muito mais que um projeto voltado somente à causa animal. “Eu não podia simplesmente sair pela cidade ‘arrecadando’ cavalos. Precisava convencer os seus proprietários de que eu podia oferecer condições melhores tanto para os animais quanto para eles e suas famílias”. A partir disso, o projeto Cavalo de Lata se transformou também em uma ferramenta de trabalho social e humanitário.

Ana saía de porta em porta pelos bairros de Santa Cruz negociando cavalos em troca de cestas básicas, roupas, brinquedos e toda a ajuda que pudesse oferecer como garantia de assistência àquelas famílias. Como aconteceu com uma família de catadores da Rua das Carrocinhas, no Loteamento Beckenkamp, no Bairro Dona Carlota. Eles possuíam um cavalo que os havia servido quase a vida inteira e se chamava Beiço. Recebeu esse nome pois tinha o lábio inferior pendurado, provavelmente por causa de mau uso na carroça. Por essa condição, era magrinho, pois não conseguia se alimentar direito. 

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Após muitas negociações, o cavalo foi resgatado, recebeu tratamento veterinário e foi levado para um lugar adequado. Para a família, Ana Paula, após recorrer à ajuda de muitos voluntários, conseguiu emprego, comida e roupas. “Há mais de dez anos, todos os meses, a gente vai nos bairros. Eu tenho uma caixa coletora onde a gente vai colocando bicicleta, material escolar, roupas, que são os meios que a gente tem de se remunerar.” Esse tipo de “troca” se tornou recorrente no dia a dia de Ana. Foi aí que começaram a surgir outros trabalhos de arrecadação de doações para as famílias.

Tampinha na Lata

Em 2017, o projeto Cavalo de Lata passou a ser ONG. Ana explica que foi uma forma de conseguir cadastrar o Cavalo de Lata em projetos e assim receber mais recursos. O projeto Tampinha na Lata, que existe desde 2018, é uma das ações promovidas pela ONG. Com pontos de coleta espalhados por toda a cidade, já foram arrecadadas mais de 20 toneladas de tampas plásticas, que podem ser de garrafas PET, de bombonas de água, de caixas de leite, suco e iogurte, de remédios e de produtos de higiene e limpeza, por exemplo. “A ação é muito importante por integrar a comunidade, especialmente as crianças e escolas, em atividades multidisciplinares que beneficiam o meio ambiente e também a causa animal”, destaca.

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Além do Tampinha na Lata, a ONG promove bazar de roupas, bingo solidário mensal, eventos, venda de camisetas e outros produtos. Também organiza atividades de divulgação, como palestras em empresas e escolas, e recebe visitas das instituições de ensino no sítio.

Embora apaixonada pelo ramo de vendas publicitárias, Ana realizou o sonho de dedicar-se quase integralmente à causa animal. Como o trabalho de gestão da ONG dela e do esposo ainda não é remunerado, após 20 anos trabalhando na área de vendas, há cerca de três ela se desvinculou do trabalho integral. Fez um registro de Microempreendedor Individual (MEI) e hoje presta serviço de vendas para empresas e jornais em projetos especiais. “Pego alguns produtos que dão mais valor agregado. Então, não tenho o compromisso de ir à empresa todos os dias, mas tenho responsabilidade de entregar o produto final. Assim, consegui me dedicar ao Cavalo de Lata, que era um sonho”, conta.

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Recursos

Ana segue na busca, diariamente, por recursos para sustentar a ONG. “Vou atrás de projetos e editais, cadastrei a Cavalo de Lata em fóruns, Ministério Público para receber verbas, articulo com políticos, empresários, e as portas estão se abrindo.” A busca da ONG é por uma forma de profissionalizar o trabalho realizado, para que não seja mais necessário depender somente de doações. “Meu sonho é que não tenhamos essa instabilidade, que a gente tenha recursos fluindo, que possamos acordar de manhã e saber que tem dinheiro na conta para pagar as despesas. Me propus a organizar, através do Nota Fiscal Gaúcha e de todos os outros esforços, e fazer uma coisa mais eficiente, que funcione, que não fique sempre na corda bamba.” E com essa profissionalização ela pretende ensinar outros grupos também.

Mais de 100 resgates

Desde que ainda era um projeto, a ONG Cavalo de Lata já resgatou mais de 100 cavalos. “Eu poderia dizer mais de 150, mas já perdi a conta. Muitos morrem, outros a gente só consegue segurar na beira do asfalto e entregar para o dono.” Todos os 32 cavalos que vivem livres no sítio têm nome, uma história e um registro. Além deles, Ana e Jason ainda cuidam de outros quatro cavalos, que vivem em outra área de terras; bem como de dois cachorros, nove patos, 15 garnisés e 27 gatos.

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Mesmo sendo a idealista do projeto e grande protagonista da causa animal em Santa Cruz do Sul e região, Ana se considera a “mulher dos bastidores” e faz questão de exaltar o trabalho prático que é feito pelo marido, Jason. “Ele é um herói. Um cara que trocou uma vida próspera para descarregar feno e viver sujo de barro, pêlo e sangue.” Na rotina diária, Ana é responsável pela organização dos eventos e das festas. Ela é quem recebe as visitas no sítio e realiza toda a parte de social media e de administração das redes sociais. Organiza palestras e elabora os projetos, a documentação e as finanças, além de prestar contas por meio de relatórios de atividades e de realizar a limpeza do espaço físico.

Ana faz a diferença por onde passa. Deixa marcas na vida das pessoas e dos animais, com um semblante sereno, tranquilo e sábio. Ao tentar traduzir o amor pela causa animal e por tudo o que já viveu e desenvolveu frente à Cavalo de Lata durante esses dez anos, Ana Paula diz que não sabe se foi a vida que ela escolheu ou se foi escolhida. Atribui a resistência em permanecer lutando à fé e a Deus. “Eu acho que Deus é o equilíbrio perfeito entre a natureza e o homem. No momento em que nós entendermos que somos a mesma vida que o animal ou qualquer ser vivo, que somos feitos da mesma energia amorosa que eles, entendemos o que é Deus e o que é o amor.”

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Heloísa Corrêa

Heloisa Corrêa nasceu em 9 de junho de 1993, em Candelária, no Rio Grande do Sul. Tem formação técnica em magistério e graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Trabalha em redações jornalísticas desde 2013, passando por cargos como estagiária, repórter e coordenadora de redação. Entre 2018 e 2019, teve experiência com Marketing de Conteúdo. Desde 2021, trabalha na Gazeta Grupo de Comunicações, com foco no Portal Gaz. Nessa unidade, desde fevereiro de 2023, atua como editora-executiva.

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Heloísa Corrêa

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