Um dia me prometi escrever sobre uma cena que ficou gravada na minha alma. Há cerca de dois anos, numa das minhas caminhadas pela cidade, cheguei à quadra da Afubra. Bem no meio fica a guarita da vigilância. À frente, estava o vigia de plantão olhando para a frondosa paineira que fica na área da Escola Goiás.
Era domingo de manhã. Ele me parou: – Escuta que triste ouvir esse pássaro chorando! Desde sexta-feira está assim. Acho que aprisionaram sua companheira, ou a mataram. Talvez alguém retirou-lhe os filhotes, ou tenham ficado sem quem os alimentasse. Foi levantando hipóteses, mas se sabia impotente para amainar aquela dor. Ele ficou, eu fui adiante. Com ele, o lamento doído do pássaro enlutado; comigo, a lição renovada do amor aos animais e às pessoas que cultivam a sensibilidade de aconchegá-los a seus corações. Aquele vigia me propiciou uma generosa lição de vida.
Nas redes sociais, multiplicam-se os relatos de pessoas e suas relações afetivas com animais. José Ipê, há pouco, me tocou com seu relato. Histórias de cães abandonados e acolhidos, cavalos debilitados e famintos resgatados, macacos feridos, tratados e devolvidos à natureza, os casos são muitos e poucas pessoas desprezam hoje esse direito, o da consideração e do respeito a esses seres muitas vezes indefesos. São pungentes os tantos relatos sobre animais de estimação que desapareceram, se feriram ou morreram. Aprendemos que a presença deles aguça a sensibilidade, preenche vazios e transmite uma serena paz.
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Nem sempre essa convivência existiu, ou ao menos com tanta extensão. Por muito tempo, por exemplo, os cães estavam destinados a encontrar sua própria alimentação. Escassa, inexistente, desfilavam suas carcaças pelas ruas da cidade. Graças a políticas públicas e ao empenho de algumas pessoas, essas cenas são cada vez mais raras em Santa Cruz do Sul.
Hoje, na maior parte dos lares, há ao menos um animal de estimação. E, da casinha do pátio, muitos migraram para dentro da domus, da casa, tornando-se parceiros inseparáveis da cotidiana convivência de tantas pessoas, de algumas os únicos companheiros a oferecer carinho e aplacar a solidão.
Confesso que eu mesmo aprendi a me educar nessa relação. Cercado por pessoas que cuidam de seus bichinhos, acabei entrando nessa rede do bem. E não me arrependi. Sempre achei estranho a escritora Clarice Lispector aparecer em fotos com seu cãozinho Ulisses no colo. Hoje, eu entendo. Antes, já me comovera inúmeras vezes com Baleia, a cadela que compartilha a penosa vida com a família de Fabiano e Sinhá Vitória, no romance Vidas secas, de Graciliano Ramos. No mesmo romance, o que se passa com o papagaio, também companheiro da travessia, é de estraçalhar as fibras da alma. Tanto se diz que nessa narrativa os animais se humanizam enquanto as pessoas se animalizam.
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Sei que há questões relevantes e urgentes a debater. Mas hoje resolvi escrever sobre o amor aos animais. Penso que quem acolhe, alimenta, acaricia um animal também se torna um ser humano melhor.