Raoul Peck pode não ser uma personalidade midiática, um diretor pop como Quentin Tarantino ou Lars Von Trier, mas já marcou presença com dois filmes que provocaram intensos debates e encontros. Sua grande preocupação tem sido evitar que se fale ao mesmo tempo sobre a ficção O Jovem Karl Marx e o documentário Eu Não Sou Seu Negro, indicado para o Oscar da categoria em 2017 e cartaz desta terça-feira, 5, da sessão da Associação dos Amigos do Cinema de Santa Cruz do Sul. Ele será exibido a partir das 20 horas, na sede do Sindibancários (na Rua Sete de Setembro, 489), com entrada franca.
Ambos os filmes demoraram em torno de dez anos para se viabilizar. O que interessa aqui é o documentário. “No caso de Eu Não Sou Seu Negro, foi o período que demorei para adquirir os direitos de James Baldwin, mas, na verdade, eu já o vinha deglutindo há 30 anos. James foi fundamental numa fase da minha vida em que, como negro, me questionava sobre quem eu era e qual o meu papel no mundo. Ele viveu um tempo na Europa, na França, e isso lhe deu um distanciamento para olhar a sociedade dos EUA com todas as suas contradições. A radicalização dos anos 1960 meio que o deixou de lado, mas creio que hoje há um retorno a seus escritos. É impossível refletir sobre a identidade negra, na América, sem fazer referência a Baldwin.”
De cara, no próprio filme, Peck conta que se inspirou num projeto inacabado de Baldwin – um livro sobre três líderes que foram assassinados na época do movimento por direitos civis. Dois deles são conhecidíssimos em todo o mundo, Malcolm X e Martin Luther King. O terceiro não é menos importante: Medgar Evers. “O mais difícil foi encontrar o link entre eles e o que acontecia na América e relacionar com o próprio James, que vivia um momento particular de sua vida. Porque o filme é, acima de tudo, a respeito da construção da imagem do negro”, explica.
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Peck fez uma pesquisa acurada. Obras de ficção, de propaganda, cinejornais. É interessante ver como já antes da integração a publicidade retratava um segmento da classe média negra em condições de consumir. “Associamos tanto consumismo com alienação que deixamos de reconhecer que a integração, no mundo capitalista, passou por aí. Era impossível continuar não reconhecendo uma parcela tão significativa de consumidores”, observou o diretor.
As discussões mobilizam então personalidades públicas como Marlon Brando, o diretor Joseph L. Mankiewicz, Sidney Poitier e Harry Belafonte. “Mas eu não queria ficar só no passado. Era importante trazer essa discussão para o presente. Terminar com esses rostos é tão necessário para mim como ter Samuel L. Jackson não como narrador, mas como a voz que interpreta aquelas palavras e lhes dá sentido. E Sam tem a credi;bilidade das ruas, é outra coisa que queria alcançar.”
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