As projeções para o avanço da doença de Alzheimer colocam o Brasil em um situação desafiadora: o número de casos de demência pode aumentar muito nas próximas três décadas. E não só aqui. A alta da doença deve ser maior em países de média e baixa renda, como os demais da América Latina, na comparação com as nações mais ricas.
Essa tendência acende o alerta para a necessidade de que o Brasil prepare seu sistema de saúde para atender ao grande contingente de pessoas que precisará de ajuda médica – e seus familiares, que assumem o cuidado. Também ressalta a importância de estratégias de prevenção para reduzir o volume de pessoas com demência.
O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa e progressiva. Pessoas diagnosticadas com Alzheimer ou outras demências passam a ter dificuldades para realizar tarefas cotidianas e deixam de trabalhar. Com custo global de US$ 1,3 trilhão, as demências são hoje uma das principais causas de incapacidade e dependência em todo o mundo.
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No Brasil, ainda não há clareza sobre o total de pessoas com a doença, mas estima-se que cerca de 2 milhões vivam com demências – o Alzheimer corresponde à maior parcela. Para 2050, a projeção é de que esse número chegue a cerca de 6 milhões de pessoas – um aumento de 200%.
O envelhecimento acelerado da população brasileira amplia os desafios. Em países europeus, como na França, foram cem anos para que a taxa de idosos dobrasse. “No Brasil, está levando só algumas décadas”, explica Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Por isso, a importância de ter ações muito rápidas para cuidar das pessoas nessa faixa da vida.”
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Em todo o mundo, a previsão é de que os casos de demência passem de 57,4 milhões para 152,8 milhões – uma alta de 166% – em 2050. A tendência de crescimento é menor do que a média global em países como Alemanha, Itália e Japão. E maior em outros, como Brasil, Bolívia, Equador, Peru e países africanos. Os dados fazem parte de uma pesquisa global publicada neste ano na revista Lancet Public Health.
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O aumento e o envelhecimento populacionais são as principais razões para a projeção de crescimento maior do Alzheimer em países da África e da América Latina. Problemas de baixa escolaridade e hábitos de vida pouco saudáveis também concorrem para que a incidência de pessoas com demência não caia nessas regiões.
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Em países da América do Norte e da Europa, por exemplo, os dados já sugerem uma tendência de redução na incidência de demência – o que cientistas atribuem ao aumento nos níveis de escolaridade e à maior oferta de tratamentos para problemas cardiovasculares, uma das principais formas de se prevenir contra o Alzheimer.
Países de alta renda já têm serviços de cuidados para pessoas com demência, como atenção primária e reabilitação, mais estruturados, segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), do ano passado. Já as nações de baixa e média renda, como o Brasil, são mais dependentes dos cuidados informais desempenhados pelos familiares, que muitas vezes têm de deixar suas atividades profissionais, com impactos à economia.
Em países latino-americanos, a presença associada de demências vasculares e Alzheimer preocupa. “A prevalência de demência na América Latina é a maior do mundo. E não só é muita gente (com demência), mas ela começa dez anos antes aqui”, alerta Claudia Suemoto, professora de Geriatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
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Entre outros temas, Claudia pesquisa de que modo reduzir os fatores de risco na população brasileira, como controlar doenças como hipertensão, obesidade e diabete, pode ajudar a evitar casos de Alzheimer e outras doenças. Uma pesquisa nesse sentido, publicada há dois anos na Lancet, mostrou que 12 fatores de risco estão ligados a 40% dos casos de demência, incluindo o Alzheimer, em todo o mundo. No Brasil, a estimativa é de que o potencial de prevenção seja ainda maior.
Um dos focos, segundo os cientistas, deve ser a escolarização da população. Claudia explica que estudar no início da vida ajuda a formar o que se chama de “reserva cognitiva”. É como se fosse uma poupança no cérebro – quanto maior, menor o risco de que os danos ligados ao envelhecimento comprometam as funções cerebrais
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“Há uma janela de oportunidade incrível para prevenir não só demência como outras doenças mentais”, diz a pesquisadora. Além da educação formal, explica a especialista, atividades intelectuais como aprender um novo idioma ou a tocar instrumentos ajudam a formar essa “poupança” de conexões.
Apesar do cenário preocupante para as demências no Brasil, ainda faltam políticas específicas sobre o tema, na avaliação de especialistas. O Brasil se comprometeu a elaborar um plano sobre o assunto, que ainda não existe. Um projeto de lei que cria a Política Nacional de Enfrentamento à Doença de Alzheimer está em debate no Congresso Nacional. Alguns municípios, como São Paulo, já têm planos locais.
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“Há países em que isso já está mais avançado, como Costa Rica, Chile. No Brasil e em vários outros países, isso está no radar, mas não foram tomadas medidas efetivas”, diz Paulo Caramelli, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do conselho consultivo da Sociedade Internacional para o Avanço da Pesquisa e Tratamento da Doença de Alzheimer.
Um dos pontos de partida para isso é reconhecer a complexidade da situação brasileira: ainda não se sabe a exata incidência da doença nem a mortalidade. Há ainda alta subnotificação: pesquisadores estimam que mais de 1 milhão (dos 2 milhões de casos) não tenham sido diagnosticados. Essa situação coloca pacientes e parentes em um limbo de proteção e cuidados.
Para Cleusa Ferri, é preciso educar a população brasileira para o Alzheimer. A falta de conhecimento sobre demências faz com que, muitas vezes, as perdas de memória sejam vistas como um sinal normal de envelhecimento – o que não é verdade. A pesquisadora coordena o primeiro mapeamento do Brasil sobre Alzheimer, financiado pelo Ministério da Saúde, e que deve ser publicado no ano que vem. “É necessário apoiar a família e oferecer serviços de cuidado a curto e longo prazo.”
O Ministério da Saúde aponta que as demências devem ser entendidas “como uma prioridade em saúde pública” e destaca iniciativas como um curso para os cuidadores e a elaboração de guias com orientações para rastreio de demências e transtornos cognitivos leves.
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