Faz um bom tempo que acompanho o Carnaval do Rio de Janeiro. Não lembro qual foi o gatilho, mas ainda era bem jovem quando passei a me interessar. Desde então, nos dias de desfiles, durmo bastante para conseguir virar a madrugada, embora nem sempre consiga ir até o final. Inicialmente, o que me atraía era a inventividade das alegorias. Depois, compreendi um pouco mais sobre desenvolvimento de enredo, evolução e tudo o mais que o espetáculo comporta.

Com o passar dos anos, fui aprimorando o ritual. Descobri que os melhores comentaristas estão em veículos especializados e, em função disso, assisto com a televisão sem volume e sintonizado em alguma rádio. Hoje, costumo me atualizar ao longo do ano sobre o que as escolas estão preparando e gosto de ouvir a todos os sambas previamente.

Este ano, decidi finalmente trocar o sofá pela arquibancada. Então, eu e a esposa, de férias, fomos para a Sapucaí. Foi uma experiência “raiz”: nada de camarotes caríssimos com celebridades e música eletrônica. Levei semanas para decidir o ponto ideal do sambódromo e, nas duas noites, chegamos com três horas de antecedência e ficamos até cruzar a última alegoria da última escola, já sob os primeiros raios de sol da manhã.

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Foram maratonas de praticamente 12 horas cada, contando apenas com os terríveis e disputados banheiros e os lanches sem graça e hiperinflacionados que o setor oferecia. Mas saí com a alma lavada, depois de aplaudir Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Alcione, Paulinho da Viola e Martinho da Vila, entre outros tantos que passaram diante de meus olhos. Acertei o palpite de que a Imperatriz era uma forte concorrente ao título e achei injusto o rebaixamento da Império Serrano. Também foi lindo ver a Portela, escola pela qual guardo mais simpatia, ainda que tenha decepcionado no ano do centenário. Fica a dica: se a TV garante conforto e um ou outro detalhe, nada supera a visão da avenida ocupada pelas cores das alas em toda a sua extensão.

Percebo às vezes os olhares quando falo sobre essa paixão. Em um estado com histórico de levantes separatistas, é até natural o estranhamento. Mas aprendi a respeitar essa tradição não apenas por ser arte e criatividade puras, mas sobretudo pelos simbolismos, do cortejo que metaforiza um sopro de alegria para um povo habituado ao sofrimento. A tal “alegria fugaz” e “ofegante epidemia” que cantava Chico Buarque, os “três dias para sorrir e um ano para chorar” aos quais se referia Elton Medeiros, nos lembram que a vida é feita de ciclos e que tudo passa.

Ou como dizia Tom Jobim: “A gente trabalha/O ano inteiro/Para fazer a fantasia/De rei ou de pirata ou jardineira/E tudo se acabar na quarta-feira.”

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caroline.garske

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