A cada semana cresce a minha dificuldade de entender certas decisões judiciais. Não creio que seja pela idade, porque ela contribui com mais experiência, somada à curiosidade essencial ao jornalismo. Há pouco, um ministro do Supremo suspendeu, por liminar, duas leis municipais que proíbem o neutro em escolas locais. Outro suspendeu lei estadual no mesmo sentido. Os dois justificam com inconstitucionalidade. Mas o artigo 13 da Constituição estabelece que a língua do Brasil é o Português – e a língua portuguesa não tem gênero neutro, mas masculino e feminino. Além disso, o art. 24, IX, diz que União, Estados e Municípios legislam concorrentemente sobre educação. Penso que perderam a chance de defender a língua, que é um dos fatores da nacionalidade. Língua corrompida, nação enfraquecida.
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Vejo também que a OAB pretende arguir inconstitucionalidade de uma decisão reiterada e maciça do primeiro dos poderes, o Legislativo, que proibiu saidinhas por 366 votos de deputados e senadores que derrubaram veto presidencial. Continuará o Supremo a se contrapor à vontade da maioria dos representantes do povo? Um ministro do STF disse nos autos de um processo sobre saidinha de um condenado mineiro, que a lei não vigora retroativamente para prejudicar. Sim, isso está no artigo 5º, XL, mas se refere à lei penal, substantiva. A saidinha é questão processual, adjetiva, com o juiz de execuções penais. O condenado que tiver saidinha na Páscoa não tem direito adquirido para sair no Natal; precisa ter bom comportamento. Além disso, a sentença de prisão não vem acompanhada de “com direito a saidinhas”. A não retroatividade apenas funciona para que os que já gozaram de saidinhas não sejam acrescentados em suas penas, dos dias festivos em que estiveram livres.
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Outra questão difícil de entender é a da “assistolia fetal” – um eufemismo para assassinar feto de mais de cinco meses de gestação, quando já está formado e pode sobreviver como prematuro. Acima de 21 semanas e 500 gramas, é feticídio. Um ministro, também com liminar, suspendeu proibição do Conselho Federal de Medicina de matar, com injeção de cloreto de potássio no coração, o feto resultante de estupro que tiver mais de 22 meses de gestação. A lei permite a retirada do feto em caso de anencefalia, perigo de vida para a mãe e estupro. Mas num estupro que foi há cinco meses, não faz sentido.
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O artigo 5º da Constituição estabelece o direito à vida no caput e no inciso XL,VII, que não haverá pena de morte; e o 2º artigo do Código Civil garante os direitos do nascituro desde a concepção. A Igreja diz que o homem e a mulher que criam uma vida, criam também uma alma que jamais irá morrer. É o Supremo que decide algo tão grande quanto a vida? Não seria mais sensato entregar a decisão de matar ou não um ser indefeso aos representantes diretos do povo?
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Por fim, fico sem entender uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que derrubou lei da Câmara de Mairiporã, que proíbe banheiro comum em escolas, isto é, uma instalação sanitária que pode misturar meninos e meninas, que chamam de banheiro “neutro” – na verdade deveria ser chamado de misto. Um conveniente ponto de encontro – ou lugar potencial de assédio. Imagino que quem decidiu isso não tem filhas, netas ou sobrinhas em escolas de Mairiporã. E que não conheça a vontade da maioria do povo, origem do poder.
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