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Albânia: libertação dos invasores e a transição democrática

Caminhando pela bela Gjirokastër, cidade de origem bizantina e arquitetura otomana nas montanhas da Albânia, notei no comércio local e em restaurantes típicos lembranças e imagens do ex-líder comunista Enver Hoxha (1908-1985), o filho mais famoso do lugar. Para conhecer melhor a história albanesa do século 20, é preciso driblar armadilhas ideológicas e informações distorcidas por interesses externos. Se, por um lado, o comunismo albanês (1948-1991) foi embrutecendo gradativamente, é preciso reconhecer também o forte preconceito que o país sofreu devido à experiência socialista. É essencial respeitar um povo que leva na memória coletiva sofrimento, história e tradições acumulados por dezenas de gerações.

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Opiniões à parte, o socialismo foi a solução encontrada para a nação emergir da penúria secular que a oprimia. Em 1912, protestos resultaram na independência do país do império otomano e na proclamação da república. Duas décadas depois, uma turbulenta disputa política colocou no poder Ahmed Zog (1895-1961), forte aliado de Benito Mussolini. Tão logo foi eleito, Zog se autoproclamou Rei da Albânia e iniciou uma política de entreguismo aos fascistas, que ocuparam o país econômica e culturalmente em uma colonização baseada no endividamento. Em 1939, A Itália anexou a Albânia sem resistência, enquanto Zog fugia para a Grécia. Na bagagem, todo o ouro dos cofres do país.

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O artificial Partido Fascista Albanês foi rejeitado pela população local, formada por 87% de camponeses. Em represália, protestos foram proibidos e a pena de morte aplicada para crimes políticos. Nas montanhas do país, formaram-se movimentos de resistência com inspiração maoista, e nesse momento surge a liderança de Enver Hoxha (pronúncia: Ródja), unindo antifascistas e a população rural. Enver foi, sem efeito, condenado à morte in absentia pelos italianos. Com a rendição da Itália na Segunda Guerra, em 1943, os alemães preencheram o vácuo deixado pela Itália, invadindo a Albânia com a violência típica das tropas de Hitler. A repressão nazista foi ainda mais cruel, tratando os nativos de forma subumana. A base da luta contra os nazistas passa a ser a filosofia de Antonio Gramsci, pensador italiano de mãe albanesa. A elite local, porém, afeita a privilégios, associa-se ao nazismo. Em 1944, por forças próprias, a Albânia elimina o nazifascismo e logo é criado o estado socialista albanês, sob a liderança de Hoxha.

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Como vemos sempre em regimes totalitários, o comunismo albanês desceu gradativamente para a truculência. A obsessão com espionagem e ameaças externas produziu abrigos militares por todo o país, incluindo vastos bunkers que hoje são memoriais na capital Tirana. Hoxha, apesar dos pesares, trouxe avanços significativos. O país foi eletrificado, ferrovias e estradas construídas e uma melhoria vertiginosa da indústria e da agricultura foi gerada. Urbanização, saúde e educação (analfabetismo, de 80% no pós-guerra, foi erradicado) melhoraram o nível de vida sensivelmente. Em 1991, a Albânia evoluiu para uma democracia. Constatei nas ruas que, embora a imagem de Hoxha nutra certa simpatia entre os albaneses, é certo que retrocessos no processo democrático seriam inadmissíveis. A pobreza e problemas culturais pontuais estão sendo resolvidos – para dirigir, serviu-me a experiência do trânsito brasileiro – e o país encaminha sua entrada na Comunidade Europeia com desenvolvimento, educação, valorização da cultura e da ciência.

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O Partido Socialista venceu as três últimas eleições e segue a política que modernizou a economia e aprofundou a democratização das instituições. Como exemplo, metade dos ministros é formada por mulheres. Nos anos 70, a esquerda brasileira construiu boa parte de sua ideologia baseada no socialismo albanês. Na ditadura militar, o movimento estudantil ajudou na redemocratização e no avanço de políticas sociais que hoje são quase um consenso. Foi um ponto de partida, mas, passado meio século, já passou da hora de os progressistas se modernizarem, até para que evaporem movimentos antidemocráticos como os que vimos recentemente.

Lembranças com imagem de ditador

Em pleno século 21, extremismo e anacronismo não podem mais ser tolerados, em qualquer espectro da política. No memorial Bunk Art, em Tirana, marcou-me uma frase de Anjezë Bojaxhiu, santa católica de origem albanesa mais conhecida como Madre Teresa de Calcutá: “O mal cria raízes quando um homem passa a pensar que é melhor que os outros.”

Abrigos militares no país refletem preocupação com invasões estrangeiras
Bunkers foram convertidos em museus e memoriais do período comunista

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Guilherme Bica

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