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OPINIÃO

Airton Ortiz: Bexiga, uma vila ferroviária

Por Airton Ortiz
Jornalista e escritor. Exclusivo para a Gazeta do Sul

Quando recebi da Câmara de Vereadores de Rio Pardo o título de Cidadão Emérito do município, falei com orgulho que me sentia um rio-pardense da gema por ter nascido na Vila Ferroviária de Bexiga. Um largo sorriso percorreu o plenário da Casa, percebi um brilho diferente no olhar dos convidados. Em seu discurso a seguir, a vereadora Márcia Rocha Brum, presidenta do Legislativo municipal e proponente da homenagem, afirmou ter adorado o nome Vila Ferroviária de Bexiga.

O acanhado arroio Bexiga, às vezes assim chamado de forma pejorativa, que nomeara o vilarejo, havia ficado à sombra dos trilhos; a estação férrea lhe roubara a imagem, e para mim se agregara ao nome do lugar. Não apenas ao nome, mas também à vida dos moradores. E, no meu caso, desde quando nasci.

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Criança ainda, ver os trens chegarem à estação me aguçava o imaginário. Um formigueiro de gente se enredava nas bagagens; esperavam a vez de embarcar. De onde vinha aquele povo que descia, para onde iam os que subiam? Qual mistério os afastara do começo da linha, qual os atraía para a outra ponta dos trilhos? Cedo percebi que a cara de felicidade de quem viaja só é menor do que a cara de felicidade de quem chega, e só chega quem sai. O mundo em movimento me atraía.

Gostava da Maria Fumaça. Ela parava ao lado da caixa d’água para abastecer a caldeira. Transformava água em vapor, apitava e largava fumaça; parecia um animal vivo. Tinha os trens puxados por uma máquina-diesel; os de carga chegavam a ter duas, uma puxando e outra empurrando. Eram intermináveis, nossa brincadeira preferida era contar o número de vagões.

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Os nomes dos trens também me atraíam. Havia o Paulista, que chegava sempre atrasado. Isso porque vinha de São Paulo, a mais de mil quilômetros de distância? Acho que sim, a memória já me anda carcomida nas bordas. O Noturno cruzava no começo da noite, só os que viajavam para longe o pegavam. Me impressionava alguém dormir sentado em um banco de trem.

E o Mão-pelada? Ah, o Mão-pelada. Desse eu só ouvia o barulho, ele passava de madrugada, notívago como o animal que lhe dera o apelido. Às vezes, a minha mãe dizia: “Esta noite acordei de madrugada com o barulho do Mão-pelada”. Em 1954, a VFRGS (Viação Férrea do Rio Grande do Sul) introduziu o Minuano, um moderno trem alemão de passageiros. Viajar de Minuano era um luxo, embora para nós, que só o víamos pelo lado de fora, não fosse lá grande coisa: tinha só três vagões!

Meu pai me explicou que a primeira classe ficava no final dos trens, longe do barulho da máquina. E, no caso da Maria Fumaça, longe da… fumaça. Ele também me ensinou que garçom e chefe-de-trem a gente deve tratar bem: são fundamentais em nossas vidas.

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A Vila Ferroviária de Bexiga foi a estação inicial. A partir dela embarquei em muitos trens pela vida afora. Viajei de Londres a Paris num trem que cruza por baixo do mar; de Bombaim a Nova Delhi num trem superlotado; do Cairo até Luxor num trem pelo deserto do Saara; de Anchorage a Fairbanks num trem pelas geleiras do Alasca. Viajei pela Rússia de trem, como fez Omar Sharif ao som do Tema de Lara no filme baseado no livro Doutor Jivago, de Boris Pasternak.

Tudo a partir da Vila Ferroviária de Bexiga.

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