Geral

Aidir Parizzi: “Patriotismo e independência”

Uma frase de 1775 do pensador Samuel Johnson é seguidamente mal interpretada. “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas.” A intenção do inglês não era criticar o patriotismo, que, como a religiosidade ou a tecnologia, pode servir para diferentes fins. O principal alvo da frase são os velhacos
que, para avançar agendas que beneficiam a si e aos seus, apelam para um patriotismo ufanista que, quase sempre, enaltece territórios e bandeiras, acima dos compatriotas, enquanto cria inimigos falsos ou imaginários.

Guardo um amarelado impresso de 1922, encimado pelos brasões da república e do império, com uma oração cívica pronunciada por meu bisavô, o cientista Pedro Goulart dos Santos, durante as festividades
do centenário da independência. Lê-se no último parágrafo: “Benditas sejas, benditos sejam teus destinos, pátria amada, alma e vida dos brasileiros, augusta soberana, onde tudo, no concerto imenso da civilização e do progresso, mostra e traduz o que és e o que vales!”.

LEIA TAMBÉM: FOTOS: Semana da Pátria é aberta oficialmente em Santa Cruz

Publicidade

Meu ancestral, se vivo estivesse, não estaria exultante ao ver que, um século depois, os desejos da maioria dos brasileiros são de ter uma eleição pacífica em que o eleito tome posse, de que um contingente maior do que toda a população do Brasil de 1922 não passe fome, e de evitar que uma minoria sonora, raivosa e armada torne realidade a pretensão absurda de ressuscitar uma ditadura militar sempre à espreita.

Como neste ano, 1922 foi ano de eleição presidencial. Consta que foi uma das mais agressivas e sujas da história, carregada de fake news, conhecidas na época como mentira e enganação. Artur Bernardes, fazendeiro rico de Minas Gerais, derrotou Nilo Peçanha, que já havia sido presidente e permanece como o único chefe não branco do poder Executivo no Brasil. O autoritário e vingativo Bernardes, que criou até um campo de concentração para prender inimigos políticos, aparece geralmente na disputa pelo indesejável título de pior presidente da história. Ultimamente, diga-se de passagem, é possível que a alma descanse mais tranquilamente.

LEIA TAMBÉM: Veja o que muda em Santa Cruz com o feriado de 7 de Setembro

Publicidade

Em pleno século 21, urge perguntar: que tipo de patriotismo apropria-se da bandeira nacional, associando-a a uma pessoa, a um partido ou a ideias retrógradas alimentadas por discórdia e medo? Que espécie de patriota se veste de verde e amarelo para, com ódio e truculência, vociferar contra instituições
do Estado, atacar a democracia, maldizer professores, cientistas e humilhar aqueles que proporcionam
arte e inspiração a um povo privado de dignidade?

O patriotismo que busca o bem da população e enxerga o curto e o longo prazo pede por professores
bem pagos e motivados, livros e bibliotecas, e não por armas e clubes de tiro; pede escolas com caráter acadêmico e pensamento crítico, e menos tempo e energia perdidos em bolhas multiplicadoras de mentiras e tolices; pede agricultura familiar, cooperativas, preservação ambiental e alimento para os brasileiros, e menos latifúndios que geram lucros da exportação para poucos e parca geração de impostos; pede pesquisa científica e um governo laico, e menos enganação pseudorreligiosa que só beneficia uma oligarquia de exploradores do povo.

LEIA TAMBÉM: Ruas de Santa Cruz terão bloqueio em função do desfile de 7 de Setembro

Publicidade

Uma ideia de pátria que não seja baseada em divisão e morte, mas em solidariedade e união. Precisamos seguir exemplos como os do padre Júlio Lancellotti e de Zilda Arns, e não de alguns reacionários
e caricatos empresários da comunicação e do comércio. Carecemos das palavras de Laurentino Gomes, Roberto Campos e Darcy Ribeiro, e não das sandices de Olavo de Carvalho e seus discípulos.

Pôster do Centenário da Independência | Foto: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior
Dra. Zilda Arns é reconhecida por seu esforço humanitário pelas crianças e pelos idosos | Foto: Acervo pessoal de Aidir Parizzi Júnior
Padre Júlio Lancellotti: trabalho social | Foto: Felipe L. Gonçalves/Brasil247

O Brasil realizará seu potencial com políticos e com iniciativa privada que tenham foco no bem comum, na industrialização e no desenvolvimento científico. Não avançaremos enquanto formos uma economia
apoiada em minérios e commodities da exportação primária.

LEIA TAMBÉM: Bicentenário da Independência: entenda a influência da Princesa Leopoldina

Publicidade

A independência, assim como a proclamação da república, não foi movimento popular. Uma partiu
do próprio regente colonizador e a outra se deu em atropelado golpe militar, a primeira das ditaduras
fardadas da república. A falta de participação pública nos dois casos pode ter ajudado a solidificar a busca por soluções baseadas em um salvador da pátria e não em mudanças estruturais. O patriotismo produtivo é baseado na cidadania e na solidariedade.

A pátria é o povo e não o território, a bandeira ou alguma ideologia. No dia em que revertermos as seculares mazelas sociais, os privilégios históricos e a ansiedade agressiva em que mergulhamos, poderemos finalmente comemorar, com orgulho e serenidade, a independência do Brasil.

LEIA AS ÚLTIMAS NOTÍCIAS DO PORTAL GAZ

Publicidade

Quer receber as principais notícias de Santa Cruz do Sul e região direto no seu celular? Entre na nossa comunidade no WhatsApp! O serviço é gratuito e fácil de usar. Basta CLICAR AQUI. Você também pode participar dos grupos de polícia, política, Santa Cruz e Vale do Rio Pardo 📲 Também temos um canal no Telegram! Para acessar, clique em: t.me/portal_gaz. Ainda não é assinante Gazeta? Clique aqui e faça sua assinatura agora!

Carina Weber

Carina Hörbe Weber, de 37 anos, é natural de Cachoeira do Sul. É formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e mestre em Desenvolvimento Regional pela mesma instituição. Iniciou carreira profissional em Cachoeira do Sul com experiência em assessoria de comunicação em um clube da cidade e na produção e apresentação de programas em emissora de rádio local, durante a graduação. Após formada, se dedicou à Academia por dois anos em curso de Mestrado como bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Teve a oportunidade de exercitar a docência em estágio proporcionado pelo curso. Após a conclusão do Mestrado retornou ao mercado de trabalho. Por dez anos atuou como assessora de comunicação em uma organização sindical. No ofício desempenhou várias funções, dentre elas: produção de textos, apresentação e produção de programa de rádio, produção de textos e alimentação de conteúdo de site institucional, protocolos e comunicação interna. Há dois anos trabalha como repórter multimídia na Gazeta Grupo de Comunicações, tendo a oportunidade de produzir e apresentar programa em vídeo diário.

Share
Published by
Carina Weber

This website uses cookies.