A temática do sistema prisional, desde seus problemas até as iniciativas para reinserção de apenados na sociedade e no mercado de trabalho, é algo que há algum tempo me chama a atenção. Não sou especialista, mas me arrisco a refletir e falar sobre. Meu interesse é antigo. Tive alguma influência familiar, claro, já que sou filha de agente penitenciário. Passei a me interessar mais quando li alguns títulos de Drauzio Varella, como Carcereiros e Carandiru. Mas a vontade de aprender veio mesmo quando trabalhei como repórter policial em Lajeado e uma das minhas funções era participar, mensalmente, da reunião do Conselho da Comunidade de Assistência aos Apenados do Presídio de Lajeado. 

Ainda faço parte do grupo, mesmo que a distância e com pouca colaboração, já que acabei tendo o tempo destinado a atividades profissionais aqui em Santa Cruz do Sul. Contudo, procuro sempre estar atenta aos debates oportunizados e às reflexões que me são caras. Na última semana, resolvi assistir novamente ao filme Carandiru, dirigido por Hector Babenco, e baseado na obra de Varella, já que agora o título está disponível na Netflix. Lembrava de poucas coisas e assistir novamente ao filme foi, mais uma vez, um soco no estômago. Que o sistema prisional é um dos grandes problemas do Brasil, muitos sabem. Todavia, o que me chama a atenção é a resistência das pessoas, ainda, em aceitarem que prender não é a única solução.

Depois do massacre, ocorrido em 1992, o Carandiru foi implodido no início deste século. O que Drauzio Varella viu naquele lugar – enquanto médico que atendia na casa prisional em pleno surto de aids – poucos seriam capazes de relatar com tamanha clareza e sensibilidade. Os presos aglomerados em celas de galerias completamente insalubres, com acesso aos mais variados tipos de entorpecentes, são uma realidade que ainda hoje persiste, por mais que as forças de segurança trabalhem para evitar o ingresso de drogas em presídios. 

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Ações com o apoio da sociedade civil, com oferta de capacitações, cursos e apoio socioemocional, entre outras, são fundamentais para que as pessoas privadas de liberdade retornem para o convívio em comunidade. Porque sim, embora muitos se neguem a aceitar, essas pessoas vão voltar a conviver conosco. Cada vez mais, iniciativas precisam ser incentivadas dentro dos estabelecimentos prisionais, femininos e masculinos, a fim não somente de auxiliar o recluso, mas em benefício da própria sociedade. 

Em Carandiru, chama a atenção a cena em que o personagem Zico, interpretado por Wagner Moura, mata o companheiro de cela e amigo de infância Deusdete, vivido por Caio Blat, de uma forma bastante cruel. O filme todo é pesado, mas essa cena faz pensar sobre uma série de coisas: o destino do mais jovem seria o mesmo sem acesso às drogas dentro do presídio? E se Zico tivesse acompanhamento psicológico, será que mataria o companheiro? Ou melhor, será que não estaria em um local adequado às pessoas com condições psíquicas como a dele? É possível pensar que iniciativas de reabilitação e ressocialização mudariam o destino desses dois personagens. O que aconteceu com a dupla é uma metáfora: um egresso do sistema prisional brasileiro que entra em liberdade sem ter passado por nenhuma ação de ressocialização é o mesmo que uma panela de água fervente sobre a sociedade.

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