Enquanto o processo que apura supostos desvios de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no Vale do Rio Pardo permanece parado há mais de dois anos, agricultores que acreditam ter sido vítimas da fraude começaram a ser cobrados por dívidas que não reconhecem. E o pior: temem ter que entregar seus patrimônios para se livrar das pendências.
É o caso de Paulinho e Adriane Kloh, que são moradores de Linha Araçá, no interior de Santa Cruz. Os dois devem cerca de R$ 160 mil referentes a financiamentos do Pronaf feitos entre 2010 e 2013. O problema é que apenas parte desse valor foi repassada aos dois, enquanto o restante envolve contratos sobre os quais eles sequer têm conhecimento. A suspeita é de que eles tenham sido induzidos a assinar autorizações em branco para novos empréstimos e o dinheiro tenha sido desviado – situação que, segundo o inquérito concluído em agosto de 2015 pela Polícia Federal, teria se repetido com mais de 5,7 mil produtores da região.
Em março do ano passado, o casal foi à Justiça contra o Banco do Brasil para evitar que fosse cobrado. Sete meses depois obteve uma sentença favorável, inclusive com previsão de indenização por dano moral. A ação, no entanto, ainda está em fase de recurso e, há algumas semanas, eles receberam uma notificação do Ministério da Fazenda para pagamento de uma parcela do débito, de R$ 1,9 mil.
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Nos últimos meses, Paulinho e Adriane tentaram negociar com o banco para quitar o valor referente aos financiamentos que receberam, mas não tiveram sucesso. “Nós queremos pagar. Eles exigem negociar todo o valor, incluindo o que eu não recebi. Não posso pagar pelo que não recebi”, alega ele, que estava disposto até a vender o automóvel da família para zerar as dívidas. O receio é em relação ao futuro, já que a família não tem como arcar com todo o valor que está em seu nome.
À frente de uma propriedade de 17 hectares onde plantam fumo e cultivam morangos, os dois enfrentam dificuldades para manter a atividade desde que o imbróglio começou. Com o nome sujo no mercado, não conseguem mais acesso a crédito. “Em uma ocasião, fui à Afubra comprar insumos para a lavoura e não consegui. Também tentei um financiamento no Sicredi e não liberaram”, conta Paulinho.
“Não tem explicação”
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O Caso Pronaf está parado porque até agora o Ministério Público Federal não se manifestou sobre o inquérito que resultou no indiciamento de 14 pessoas por crimes como associação criminosa, fraude na obtenção de financiamento em instituição financeira e desvio de recursos de financiamento. Cabe ao MPF oferecer denúncia à Justiça contra eles ou arquivar o caso.
Um dos riscos gerados pela lentidão é a prescrição dos crimes. Porém, segundo o advogado Cássio Guilherme Alves, que representa cerca de 60 agricultores que ajuizaram ações contra o Banco do Brasil, se a situação não mudar, os produtores continuarão sofrendo bloqueios de crédito – já que seus nomes são incluídos em órgãos como Cadin, SPC e Serasa – e cobranças sobre valores que não têm condições de quitar, o que pode comprometer seus patrimônios pessoais, como terras e outros bens. “Não tem explicação para essa demora. Tanto é verdade que houve problemas nesses financiamentos que o BB já exonerou servidores”, disse. Dos clientes de Alves, seis já receberam notificações de cobrança.
Conforme Alves, o fato de o caso não ter avançado torna mais difícil aos agricultores provarem perante a Justiça que as irregularidades aconteceram. Até agora, segundo ele, a maioria das ações vem culminando em sentenças desfavoráveis às vítimas.
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A Gazeta do Sul questionou o MPF, em Porto Alegre, sobre a situação, mas não houve retorno. Em março, o órgão havia afirmado que a análise do inquérito estava “sendo finalizada” e que se manifestaria “em breve”.
COLONO X LAVA JATO
A demora do Ministério Público Federal em se manifestar em relação à Operação Colono fica clara quando se observa o andamento dos processos da Operação Lava Jato – que são muito mais complexos. Confira:
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O tempo médio entre a conclusão de um inquérito com investigado preso e o oferecimento de denúncia pelo MPF na Lava Jato é de
5 dias – Quando os investigados estão respondendo ao inquérito em liberdade, o tempo varia entre
15 e 30 dias – A duração média das ações penais, do oferecimento da denúncia até a sentença, é de 10 meses Isso significa que, se a Operação Colono seguisse o mesmo ritmo da Lava Jato, a ação judicial já poderia ter sido sentenciada
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2 vezes – Até agora, enquanto na Operação Colono sequer existe uma ação ajuizada, a Lava Jato já levou a 176 condenações.
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