O cancelamento da Expoagro Afubra 2020, comunicado pela Afubra no último dia 13, gerou um baque em nós, jornalistas habituados com a cobertura da feira. Primeiro, por conta da importância do evento em termos de economia e desenvolvimento tecnológico do campo. A reboque do anúncio vinha a constatação de que incontáveis negócios deixariam de ser feitos, de prejuízos financeiros imensuráveis e da privação do acesso de nossos agricultores a novas tecnologias. O que nos conduziu ao segundo motivo do baque: se uma feira de tamanha envergadura e importância estava sendo cancelada, era porque o coronavírus realmente significava grande ameaça também à região – confirmando o que, até então, ainda pairava entre as brumas de uma reles suspeita. Hoje, vemos que foi uma decisão acertada.
Lá em casa, o anúncio também gerou um baque. Há vários dias, nossa caçula, Ágatha, vinha se organizando para visitar a feira pela primeira vez. Neste ano a Expoagro seria estendida até o sábado, o que nos possibilitaria levar as crianças, e tratei de propagandear a novidade entre as gurias assim que vi o cronograma. Ágatha logo quis saber:
– Mas o que haverá lá para ver?
Comecei então a descrever a feira em detalhes – o lindo campo de girassóis, as imensas máquinas usadas no campo (inclusive pulverizadores sob os quais é possível caminhar de pé) e, principalmente, a infinidade de animais.
– Mas haverá vaquinhas? – quis saber a caçula, que ainda sonha em, quando crescer, ser uma “cavalgueira” e pastorear rebanhos do alto da sela de seu cavalo.
– Sim – respondi. – E bezerros.
– E coelhos?
– Sim, coelhos de todos os tamanhos. E muitas aves também.
– E peixes? Duvido que terão peixes…
– Haverá peixes, sim, nadando em tanques, bem pertinho da gente.
– E leões?
– Ah não, leões não…
– Melhor assim… Poderiam escapar e devorar os outros bichos.
E
, desde essa conversa, a marota vinha esperando ansiosa pelo passeio. Chegou a desenhar um calendário, no qual riscava, a cada noite, o dia que havia findado, como forma de monitorar a aproximação da data reservada à visita – procedimento até então reservado a ocasiões muito especiais, como o Natal, a Páscoa e o aniversário dela. É de se imaginar, portanto, a ira da traquinas quando, em tom grave, tive de informá-la do cancelamento.
– Isso não vale! – bradou, enquanto arrancava o calendário, colado à parede, já repleto de dias riscados em vermelho.
Começava ali um desafio que, desde então, se impõe diariamente em nossa rotina familiar: fazer com que as crianças entendam o motivo dos cancelamentos, da suspensão das aulas, da impossibilidade de passear e visitar amigos e parentes – inclusive, as avós. Tudo isso, sem deixá-las em pânico.
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Nossa aposta, enfim, tem sido falar menos e ocupá-las mais. Após fazerem as lições de casa diárias, repassadas no último dia de aula, as crianças têm se envolvido em uma série de atividades, desde joguinhos de tabuleiro até pinturas a dedo, passando por dobraduras em papel. Nisso a Patrícia, minha esposa, descobriu-se uma habilidosa professora de artes autodidata, também demonstrando possuir uma invejável paciência que, nos mais de 20 anos em que estamos juntos, nunca foi tão colocada à prova quanto agora – por incrível que pareça…
E, na parede onde antes estivera colado o calendário com a contagem regressiva para a Expoagro Afubra, agora disputam espaço obras de arte feitas com tinta têmpera sobre folhas de papel A4 – só espero, porém, que essa pandemia passe enquanto ainda temos espaços vagos nas paredes de casa.