Devia ser 2, talvez 3 horas da madrugada, quando nossa caçula, Ágatha, irrompeu em nosso quarto.
– Mãe! Pai! Acordem! – determinou. – Vamos lá fora ver a neve!
Acordamos de supetão e topamos com a traquinas de pé junto à porta do quarto, enrolada de cima a baixo em um cobertor, mais parecendo um fantasminha.
– Rápido, vamos ver a neve!
Se bem me lembro, isso aconteceu na última segunda-feira. Ou talvez na terça. Enfim, foi em uma dessas madrugadas geladas do começo da semana. Mas, por maior que fosse o frio, não acreditei que estivesse nevando. E foi isso que
disse à caçula.
– Filha… não tinha nenhuma previsão de neve para hoje aqui na região…
– Tem certeza?
– Claro. Se a meteorologia tivesse previsto neve para essa noite, seria a principal notícia do jornal…
– Então essa metrologia errou…
– Mas afinal… – quis saber minha esposa. – Como sabe que está nevando? Viu algo pela janela?
– Não – admitiu a traquinas. – Mas, com esse frio todo, só pode estar nevando…
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Ágatha acabou constatando, em uma espiadela pela janela, que a metrologia havia acertado: fez muito frio, mas não nevou aqui na região. E, com isso, a caçula continua sem ter realizado um de seus maiores sonhos.
– Já tenho 8 anos, e nunca vi neve…
Argumentei que eu, com 40 anos, também nunca vi neve. Salvo uma chuva congelada – uma pancadinha de grãos de gelo – que caiu sobre Santa Cruz do Sul nos anos 1990. E houve também um inverno em que vi alguns flocos minguados se acumularem sobre os telhados das casas e galpões, em Alto Paredão, onde me encontrava para uma reportagem (mas isso eu nem comentei com a caçula).
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– Filha… estamos no Brasil – falei. – Aqui, a neve é um fenômeno muiiiito raro…
– Mas tem um jeito de ver neve… – contra-atacou a marota. – E tu sabe muito bem qual…
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E a conversa, como eu temia, enveredou para um tema que sempre busco evitar. A caçula sabe há mais tempo que existe, em Gramado, um imenso parque temático, chamado Snowland, com neve artificial. Descobriu-o por conta de um filme do Lucas Neto, que se passa nesse parque.
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Contudo, sempre que ela entra no assunto, procuro desconversar. O ingresso no local, para uma família de seis pessoas, como a nossa, não seria nada barato. Mas a traquinas nunca se rende.
– Precisamos visitá-lo – insistiu. – É a única maneira de vermos neve…
– Mas é neve artificial… – tentei alegar, sem muita convicção. – Será que é a mesma coisa?
– Neve é neve! A menos que tu prefira nos levar para a Alemanha ou para a Finlândia, onde neva de verdade. Mas acho que sairia bem mais caro…
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E os argumentos da marota não pararam por aí:
– Além disso, pai, para ir nesses lugares distantes é preciso juntar um monte de papeis e levar na polícia, para tirar os
passaportes. Imagina o trabalhão que isso tudo vai dar…
E segredou:
– Descobri que Gramado fica no Brasil. Não precisamos de passaporte para ir até lá… nem de passagens aéreas.
E, com isso, a caçula me deixou, mais uma ver, sem palavras. Ainda cogitei sugerir que fôssemos a Alto Paredão, mas desisti. Não é sempre que neva em Alto Paredão.
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