Terça passada escrevi que, por conta das mais diversas brincadeiras que as crianças andam inventando lá em casa, vinham enfrentando relativamente bem o confinamento. Relativamente, vale destacar. Claro que, após tanto tempo de clausura, começam a surgir indícios de aborrecimento. Um desses sinais surgiu em uma conversa com a Ágatha, há alguns dias.
– Pai… estou morrendo de saudades de um passeio. Que tal se fôssemos ao Parque da Gruta? Pode ser rapidinho, ninguém ia notar…
– Sabes que não é possível, filha. É importante que fiques em casa, para evitar a doença.
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Mas a traquinas insistiu no plano. Argumentou que poderíamos fazer uma trilha na mata fechada, onde dificilmente toparíamos com alguém infectado.
– Que tal fazermos uma expedição na floresta, vestidos como exploradores da mata, com coletes camuflados, botas e chapéus? E repelente contra os mosquitos. E tu com um facão, para abrir a trilha. Duvido que o coronavírus seja tão corajoso de já ter entrado na selva.
Argumentei que, para tanto, haveria os riscos do trajeto até a mata. Arrematei destacando os perigos da pandemia e lembrei-a da importância da quarentena para evitar a contaminação, inclusive, de vovôs e vovós. Sugeri então uma trilha em nosso quintal, onde mantemos razoável número de árvores. Mas a caçula não se animou com a ideia.
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– O quintal não tem mais graça. Já conheço tudo ali. Cada árvore, cada folha, cada formiga… E não tem nenhum animal selvagem.
Sugeri então que o Hércules, nosso boxer, poderia bancar a onça durante uma jornada pelos mistérios do quintal. Outra ideia que não agradou.
– O Hércules é muito babão – retrucou a marota. – Nunca vi uma onça babona.
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Lembrei-a então da vez em que topamos com imenso lagarto entre as árvores do pátio, incidente que terminou em grande correria – a criançada fugiu para um lado e o réptil para outro, cada qual mais assustado. Porém, Ágatha recordou que, desde o curioso incidente, o lagarto nunca mais apareceu.
– Também deve estar de quarentena… – presumiu.
Surge uma ideia de atividade nova
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Leitor da coluna, Enio René Durante, filiado à Associação Gaúcha de Futebol de Mesa, escreveu-me e-mail sugerindo deliciosa atividade para ocupar as crianças durante o isolamento: futebol de botão. Achei a ideia esplêndida, apesar das dificuldades em se obter tabuleiro e times neste período de restrições no comércio.
Lembrei-me então de como eu havia dado meus primeiros passes e chutes a gol no futebol de botão, ainda criança, época em que recebia-se presentes apenas no aniversário e Natal. Sem perspectivas de obter dois ou mais times antes dessas datas, improvisei recolhendo, aqui e acolá, tampinhas de refrigerante para servirem de jogadores. Após algum tempo, já tinha equipes suficientes para um torneio. Houve jogos memoráveis sobre a mesa da varanda, tais como Coca-Coca x Pepsi, Mirinda x Fanta, Guaraná Antártica x Guaraná Celina – todos marcados por rivalidades dignas de Gre-Nais.
Até que um dia o pai apareceu com um presente inusitado para uma data qualquer: dois times de futebol de botão – Brasil e Inglaterra. Claro, não eram botões profissionais, desses em que se escolhe o diâmetro e altura dos jogadores, mas deslizavam muito melhor que as tampinhas. Ainda assim, para viabilizar os torneios, as tampinhas não foram aposentadas e, conforme o chaveamento, o Brasil tinha que encarar a Teem e a Inglaterra via-se acanhada ante a ferocidade do ataque do Guaraná Polar.
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Acho que vou sugerir à garotada, lá em casa, que comecemos a guardar as tampinhas. O problema, contudo, será a necessidade de beber um bocado de refrigerante.