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RICARDO DÜREN

Ágatha quer fazer uma tatuagem

É isso mesmo, amigo leitor. Quando achávamos que não havia mais como a caçula nos surpreender, quando imaginávamos que já havia esgotado seu imenso repertório de tiradas, sacadas, planos mirabolantes e afins, Ágatha nos veio com essa:

– Quero fazer uma tatuagem.

Boquiaberto ante o desejo de minha filha de 7 anos, tentei reagir.

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– Mas o que queres tatuar???

– Ainda não tenho certeza. Talvez um cavalo, talvez um chapéu de cavalgueira.

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O leitor que acompanha as peripécias da Ágatha há mais tempo sabe da paixão que a caçula nutre por cavalos, e sabe também que cavalgueira é a versão dela para as palavras cavaleira ou amazona. Aliás, é curioso como, mesmo com o passar dos anos e com a ampliação de seu vocabulário, mantenha o uso deste neologismo tão particular. Para ela, mulheres que andam a cavalo são cavalgueiras, e ponto final. E é essa a profissão que Ágatha pretende exercer no futuro.

– Então, já decidiu o que serás quando crescer? – eventualmente pergunta-lhe algum desavisado.

Cavalgueira – diz ela, como quem responde algo óbvio.

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– Como?

Cavalgueira!

– Mas o que é isso?

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E ela, com aquela paciência que as crianças só demonstram com gente de fora – jamais com quem é do círculo familiar –, explica que planeja ganhar a vida sobre o lombo do cavalo, desbravando a vastidão do Pampa, perseguindo horizontes, quebrando geadas com as patas do zaino.

– Vou ganhar a vida capotando – salienta, com outro neologismo só seu: capotar equivale a cavalgar.

– Mas isso dá dinheiro? – insiste, às vezes, o desavisado. – Isso é emprego ou diversão?

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– É emprego – responde. – E dos mais difíceis.

Só então esclarece que cavalgueiros e cavalgueiras não capotam por mera diversão, mas para conduzir tropas de gado de um lugar a outro, tendo que, às vezes, de laço em punho, sair no encalço de vacas ou bezerros desgarrados.

Por vezes, o relato do que a caçula programa para os dias vindouros lembra-me os causos contados por Blau Nunes, o vaqueano, narrador-personagem criado por Simões Lopes Neto, autor que levou nossos regionalismos ao conhecimento da literatura brasileira. Blau, já aos 88 anos, após passar a vida de um lado a outro do Rio Grande do Sul em “caprichoso zigue-zague”, orgulhava-se de ter troteado pelas coxilhas de Santana do Livramento, molhado as mãos no Rio Uruguai, enfrentado o medo nos rochedos do Caverá, subido aos extremos de Passo Fundo e caminhado nos cumes de Lagoa Vermelha.

Blau Nunes percorreu, no longínquo século 19 das peleias contra os castelhanos e da Guerra dos Farrapos, os caminhos que nossa Ágatha planeja refazer em seu futuro, também no lombo de um cavalo. Em resumo, a caçula almeja reviver o Rio Grande xucro das tropas e dos tropeiros, das imensidões sem cercas, das noites de fogo de chão, das capotadas e dos tiros de laço em campo aberto.

Contudo, ao mesmo tempo em que sonha com um futuro que mais pertence a um glorioso passado, tem umas ideias e vontades arrojadas demais – como essa, de tatuar um cavalo ou um chapéu.

– Deixa, pai?

– Nem pensar!

– Mas e quando eu for grande?

– Bem… aí a decisão é tua.

– Então, o jeito é esperar…

Dada a planejar o futuro, Ágatha também já fez seu pedido para quando completar 15 anos. Festa de debutante com valsa e vestido? Viagem para a Disney? Nada disso. O amigo leitor já deve imaginar que seu desejo é bem outro.

– Sim, ela quer um cavalo – disse-me a Patrícia, dias atrás, após receber oficialmente o pedido da filha.

– É o que eu imaginava… – comentei. – De 15 anos, é?

– Sim.

– Menos mal… isso me dá oito anos de prazo para construir um estábulo no quintal…

E deixei escapar um longo suspiro.

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