Um dos reflexos da quarentena sobre as crianças é a perda da noção de tempo. Por mais que busquem diferentes formas de ocupar-se em casa, os dias transcorrem muito parecidos uns com os outros, as horas demoram mais a passar, o sono custa a chegar. Manhã, tarde e noite se confundem.
Lá em casa, se dependesse da Ágatha, a Páscoa teria, acidentalmente, ocorrido mais cedo este ano.
Já escrevi em colunas anteriores que a caçula tem por hábito fazer calendários, repletos de desenhos que ilustram os diversos dias, para monitorar a aproximação de datas especiais. O mais recente, tomado por coelhinhos e ovos de chocolate, fora concebido para que a marota não perdesse de vista a aproximação da Páscoa. Contudo, um curioso fenômeno, característico deste período de confinamento, fez com que se perdesse nas datas, o que, por fim, resultou em ferrenha discussão.
Como assinalei acima, o sono tem demorado a chegar nesse período, principalmente devido à suspensão das aulas. Então, no meio da semana passada, já depois da meia-noite de terça para quarta-feira, Ágatha, finalmente vencida pelo cansaço, tomou o rumo da cama e, no caminho, fez uma pausa para verificar a data no visor do celular: era quarta-feira, 8 de abril. E, na manhã seguinte, acordou faceira, alardeando que já era quinta-feira, 9 de abril, e que, portanto faltavam apenas três dias para a Páscoa.
Foi a Patrícia a primeira a tentar corrigi-la:
– Não filha, hoje ainda é quarta-feira.
– Não é não – retrucou a traquinas. – Já é quinta. Quarta-feira foi ontem, vi quando fui dormir. Então, acordei no dia seguinte, quinta-feira.
– É que já era madrugada desta quarta-feira quando fostes dormir. Ainda é o mesmo dia.
– Ah, tá… bem certinho… – desdenhou a marota, já começando a subir o tom. – Como se isso fosse possível… dormir de noite, acordar na manhã seguinte e ainda ser o mesmo dia…
Felizmente, conseguimos convencê-la do equívoco antes que chegasse a Sexta-feira Santa, tradicional dia de silêncio, quando não se deve discutir por nada – nem mesmo para provar que é, de fato, Sexta-feira Santa.
Semana passada publiquei na coluna a sugestão do leitor Enio René Durante, filiado à Federação Gaúcha de Futebol de Mesa, que indicou seu jogo predileto como mais uma alternativa para ocupar a garotada ao longo da quarentena. A repercussão da ideia foi fantástica. A começar pela manifestação de outro leitor, o empresário Raul Kothe, que ne ofereceu o empréstimo de seu tabuleiro e conjunto de botões, bola e goleiros, visto que já não dispomos de tais apetrechos em casa (admito, contudo, que fiquei receoso de aceitar o empréstimo devido ao risco de extravio, sob as estantes e os sofás, de partes do jogo que Raul guarda há longa data).
E, diante da repercussão do tema na coluna, nosso gestor de Conteúdo Multimídia, Romar Rudolfo Beling, teve a ideia de lançar um desafio aos leitores da Gazeta do Sul e do Portal Gaz. Em nota publicada na edição de final de semana, no Panorama, convidou os fãs do futebol de mesa a enviarem fotos de partidas realizadas em meio à quarentena que mostrem a família unida em torno do tabuleiro. Várias já chegaram ao [email protected], inclusive vídeos, e até de outros estados; elas passam a ser compartilhadas nesta edição, na página 15, e também serão publicadas no Portal Gaz.
Creio que, de certa forma, a união das famílias ao redor dos tabuleiros, seja do futebol de botão, do jogo de damas, da batalha naval ou até do Banco Imobiliário, é também um retrato, ainda que metafórico, do que a pandemia cobrará da humanidade para que seja vencida. Será impossível superar esse momento difícil sem união de esforços – não só nos joguinhos, claro, mas na ciência, na política, na gestão das empresas e na economia.
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