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Ágatha e os perigos da ironia

Andaram me cobrando mais uma história da nossa caçula, Ágatha, aqui neste espaço. Então, lá vai: Dias atrás a Patrícia lhe convidou para visitar a vovó, que mora a umas quatro quadras de casa. Em tom preguiçoso, Ágatha declinou, argumentando que a caminhada seria longa e cansativa, e que só iria se fosse de carro. “Que nada”, retrucou a Patrícia. “São três passinhos e já estamos lá.” E ali, no meio da cozinha, Ágatha deu três passos e parou. “Viu, mãe? Não chegamos na vó.”

Na hora, achamos graça. “É coisa de criança”, pensamos, “que não entende o linguajar dos adultos”. Mas não foi isso. Acabamos percebendo que ela não só entendeu o tal linguajar de gente grande, como devolveu na mesma moeda. Na plenitude dos seus 3 anos, recebeu uma metáfora e deu o troco com uma ironia. Então me preocupei. A ironia, hoje, é algo extremamente perigoso.

Diz a Teoria da Literatura que a ironia acontece quando dizemos algo querendo, na verdade, afirmar o contrário. Como quando nos deparamos com uma obra de arte que não compreendemos, ou que é horrível mesmo, e dizemos “que é a coisa mais linda que já vimos”, com um sorrisinho – irônico – nos lábios. Ou quando chamamos de “simpático” aquele colega ou vizinho mais azedo que limão galego.

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A ironia está presente quando Brás Cubas, o defunto tagarela de Machado de Assis, diz que a adorada Marcela o amou “durante quinze meses e onze contos de réis”. E quando Tyrion Lannister chama a rainha Cersei de “querida irmã” nas Crônicas de gelo e fogo – no Game of Thrones, para quem prefere a versão da TV. Ou quando o Dr. House chama de “gênio da medicina” um membro de sua equipe que errou feio um diagnóstico.

Ágatha, essa ironista de 3 anos, foi irônica ao fingir ter levado a metáfora ao pé da letra. Debochou de seus pobres pais, ao simular que não entendeu quando, na verdade, entendeu sim. Sapeca. Preciso chamá- la para uma conversa. Como  pai , devo alertá-la que a ironia é, de fato, uma arma poderosa para zombar ou criticar. Porém, é uma arma cujo tiro, muitas vezes, sai pela culatra. Vivemos a cultura do literal. Tudo deve ser dito de forma clara, direta, preferencialmente, com o suporte da imagem. A metáfora, a liberdade poética, a ironia são estratégias linguísticas em extinção, pois vêm se tornando incompreensíveis. Quem se expressa pela ironia corre sério risco de passar por tolo e louco, ao elogiar aquele quadro tosco ou o vizinho chato. Se a Ágatha me perguntar quais as causas desse fenômeno, direi que o brasileiro anda lendo demais.

Perdemos com os livros horas valiosas, nas quais poderíamos estar, por exemplo, dando curtidas na vaidade alheia pelo Face e assistindo a pegadinhas no YouTube. Ou estarei sendo irônico?

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