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Ágatha e a pipa de sacola

A casa onde cresci assentava-se nos altos da Rua Peru, assim batizada em homenagem ao país que abriga as ruínas de Machu Picchu, a fantástica cidade erguida pelos incas, e também a maior parte do imenso Lago Titicaca. Faço questão de salientar esse detalhe, pois passei boa parte da infância e adolescência explicando isso a incautos que relacionavam o nome da rua à ruidosa ave, tradicionalmente devorada na noite de Natal. Não poucos me perguntavam se o nome devia-se a supostas criações de perus que – conforme acreditavam – haveria por lá; ou ainda, se era verdade que, ao circular pela rua, motoristas e pedestres viam-se obrigados a desviar de dezenas de perus, os quais, conforme o imaginário popular, caminhavam livremente sobre o calçamento à cata de grãos e insetos. Isso sem falar nos zombeteiros, que faziam troça com o nome da minha rua.

Situada na fronteira dos bairros Pedreira e Senai, a Rua Peru tem, em sua metade oeste, a ladeira mais íngreme de Santa Cruz do Sul. Era no cume dessa ladeira que, pelo menos naquela época, a garotada reunia-se para soltar pipa nos dias de vento forte. Alguns tinham pipas bastante sofisticadas, pacientemente produzidas ao curso de muitas horas, com papel de seda e varetinhas de bambu, adornadas com caudas repletas de fitinhas que bamboleavam ao sabor do vento. Outros, surpreendidos com ventanias repentinas e sem tempo para confeccionar pipas de verdade, improvisavam amarrando sacolas de supermercado ao barbante. Estas, embora sem a beleza das pipas convencionais, tinham a vantagem de não exigir maior perícia nas decolagens – bastava deixar que o vento se encarregasse de inflar a sacola e logo atingia-se vários metros de altura.

Pois qual não foi minha surpresa ao constatar que, em plena quarentena, a tradição das pipas de sacola fora reinventada dias atrás, quando ventou forte lá em casa. Fiz a descoberta ao chegar da Redação e encontrar, no quintal, uma pipa de sacola amarrada ao varal, docilmente esperando a vez de levantar voo novamente. Fiquei intrigado, especulando sobre quem teria sido o autor da façanha. Até que a Patrícia revelou-me: fora ideia da Ágatha.

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Segundo o relato, a caçula passara a tarde correndo pelo quintal com a sacola, presa a um barbante com não mais do que dois metros de comprimento.
– Vrumm, vrumm – zunia, imitando motores. – E atenção: agora o balão vai dar a volta pelo lago – e contornava a fonte com a sacola a reboque.
– Vrumm, vrumm, agora, vamos sobrevoar a mata – e mergulhava entre as árvores do quintal.
– Vrumm, vrumm, cuidado, lá embaixo há um dinossauro – e saltava sobre o Hércules, enquanto o boxer tomava sol, dormitando no gramado.

E, assim, consumiu as longas horas de mais um dia de confinamento.

***
Segundo a Patrícia, a correria foi tamanha que a traquinas certamente dormiria mais cedo à noite, fatigada pela longa tarde de pilotagem. Isso me tranquilizou, pois a caçula, assim como os irmãos, adotou um preocupante horário às avessas nestes dias de aulas suspensas: custa a acordar pela manhã e, em compensação, acaba varando a noite assistindo a episódios da Princesa Sofia, mantendo ao alcance das mãos o pote com pipoca.

Então, naquela noite, enquanto esperávamos que fosse dormir cedo e retomar os horários rotineiros, Ágatha se aproximou com ar misterioso e sussurrou:
– Psssss, não falem nada, só escutem… – mas, então, tudo ficou em silêncio. E a caçula continuou:
– Viram só? Está tudo quieto… não se ouve o som das pipocas, que já deveriam estar estralando na panela…

E a pipoqueira, então, quebrou o silêncio da noite.

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