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Ágatha, as lhamas e Odisseu

Um dos inconvenientes de se estar às voltas com uma tese de doutoramento é enxergar elementos científicos, relacionados à pesquisa, nos fatos mais banais do dia a dia. No momento estou estudando como o ser humano elabora seus símbolos mitológicos e ando intrigado com uma brincadeira que nossa caçula, Ágatha, tem aplicado lá em casa. Depois de descobrir que as lhamas cospem nas pessoas, a marota costuma se aproximar às escondidas e gritar:

– Sou uma lhama – e, puffffff, finge cuspir na gente. Finge, por sorte.

Tenho me perguntado se a lhama que cospe poderia ser relacionada a alguma simbologia mítica, reelaborada pelo inconsciente da traquinas. Em sua teoria dos arquétipos, o psicanalista Carl Jung (1875-1961) sugeriu que a mente humana teria, em todos os indivíduos, uma tendência biológica a elaborar as mesmas representações simbólicas, o que explicaria por que mitos de civilizações diferentes e geograficamente distantes tinham imagens tão parecidas – dragões e serpentes com chifres, monstros devoradores, árvores da sabedoria… Isso, claro, a grosso modo; a teoria é bem mais complexa.

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Um caso que intrigava Jung era o de uma menina de 8 anos que, sem nunca ter ouvido falar em mitos, sonhava com uma série de criaturas que integram o panteão mitológico de antigas e diversas civilizações.

A própria ideia do cuspe é um mito disperso: em várias culturas e etnias indígenas, o curandeiro aplica saliva para curar os doentes. Estaria Ágatha querendo nos curar de alguma coisa?

Por meio desse mecanismo psíquico descrito por Jung, mas também na relação com o ambiente social, estamos sempre revivendo e recontando mitos e outras narrativas pedagógicas de nossos ancestrais, mesmo sem acreditar na veracidade dessas histórias. Costumo relacionar algumas virtudes muito em voga em nosso imaginário contemporâneo – como a coragem, a persistência, a resiliência e a reflexão – ao herói grego Odisseu, que após vencer a Guerra de Troia enfrentou dez anos de agruras e perigos no mar perseguindo um objetivo: voltar para casa.

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Admiro Odisseu também porque era prudente e cuidadoso, diferente de Aquiles, corajoso, mas impulsivo. O Aquiles de hoje seria aquele que provoca os vizinhos, arruma briga nas festas e dirige alcoolizado. Eis aqui a pedagogia da narrativa mítica: Odisseu voltou para casa, Aquiles não.

Enfim, penso que este texto demonstra o inconveniente de estar às voltas com uma pesquisa destas, situação que costumeiramente me deixa um bom tempo paralisado, divagando. Até que alguém me cutuca no ombro e grita:
– Sou uma lhama, puffffff.

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