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Ricardo Düren

Ágatha, a vegana

O assunto surgiu esta semana, durante uma conversa entre as gurias lá de casa acerca da origem de certas iguarias gastronômicas. Às mais novas intrigava, por exemplo, como eram feitas as linguiças. Até que uma delas lembrou-se de ter ouvido dizer que eram preparadas recheando-se as tripas de suínos e, como as três já aprenderam sobre as partes e funções do aparelho digestivo, a notícia gerou preocupação.

– Será que lavam isso direito? – intrigou-se a Yasmin.

Pensei em intrometer-me e explicar que, hoje em dia, usam-se materiais sintéticos para esse fim, contudo, a conversa logo descambou para outro alimento: o coraçãozinho de galinha.

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As três adoram coração de frango, mas apreciam tal iguaria com certo peso na consciência. Afinal, cada coraçãozinho, devorado em segundos, equivale a uma galinha que pereceu. Decidiram então pesquisar na internet se haveria outras possibilidades de alimentos à base de corações de animais maiores – e que, portanto, durariam mais tempo no prato. Pesquisa daqui, pesquisa dali, e acabaram deparando-se acidentalmente com a foto de um coração de baleia azul, o maior animal do mundo.

A fotografia foi tirada no Museu Real de Ontário, no Canadá, onde está exposto o coração da pobre baleia, que morrera presa no gelo. Conservado com emprego de processos de plastinação, o órgão tem 200 quilos e quase a altura de uma pessoa. A imagem do coração gigante, com veias e artérias do tamanho de tubulações de concreto, fez as gurias perderem o apetite e acendeu na caçula, Ágatha, uma breve convicção:

– A partir de hoje, serei vegana! Contudo, logo franziu o cenho, preocupada, e quis saber:

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– Veganos podem comer batata frita?

***
O veganismo, sabe-se, vai muito além de uma simples dieta. É quase uma cultura, um estilo de vida calcado na crença de que homens e animais têm os mesmos direitos. Logo, os seres humanos não teriam o privilégio de devorar os bichos, tampouco de apossarse dos ovos das aves ou de empregar matéria-prima animal em toda sorte de produtos – inclusive, cosméticos. Eis aí um assunto muito polêmico, sobre o qual prefiro não tomar partido ainda, tanto por falta de mais conhecimento quanto de força de vontade de abdicar, pelo resto da vida, dos churrascos de domingo.

O que não significa que não seja um assunto instigante. Lembro de, certa feita, em um regresso de Porto Alegre, ter parado diante de um congestionamento. O motivo era um imenso boi que, tendo escapado da mangueira de um frigorífico, ia e vinha descontrolado sobre a RSC-287. Irado e ameaçador, deu muito trabalho aos que tentavam capturá-lo. Coube a um peão, experiente na lida campeira, acertar com um tiro de laço as aspas do boi e, enfim, dominá-lo. E, entre as testemunhas da cena, surgiu um burburinho:

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– O pobre bicho pressentiu o destino que o aguarda.

Mesmo em nossa cultura gaúcha, que tem no churrasco uma de suas principais expressões, existe também a crença de que o gado pressente e sofre na iminência do abate. Já ouvi isso de peões e pecuaristas, e também na voz de José Cláudio Machado, na canção Poncho Molhado:

A tropa segue, devagar, mugindo tonta
Talvez pressinta que seu fim é o matadouro
E o tropeiro, entristecido, se dá conta
O boi é bicho, mais tem alma sob o couro…

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***
Será mesmo? Talvez o tempo, um dia, o diga.

Mas… quanto ao veganismo da Ágatha, lamento dizer que não resistiu a uma porção de chuletinhas de porco bem temperadas e fritas sobre o disco de ferro, naquela mesma noite.

E, dado que trouxe aqui a canção Poncho Molhado, encerro este causo também com singelos versos, estes de minha lavra:

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Ágatha, uma guria
Que é esperta por demais
Avisou-nos outro dia:
Só comerá vegetais.

É um ato nobre, auspicioso
De respeito à bicharada
Mas, com um porquinho saboroso
A proposta acabou adiada… 

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