No momento em que os índices de contaminação e mortes pela Covid-19 caem associados ao avanço da campanha de imunização, a discussão sobre a adoção de restrições de circulação de pessoas não vacinadas vem se estabelecendo em diversas partes do mundo. Mas enquanto parte da população aposta no “passaporte da vacina” como uma forma de garantir segurança à retomada plena da economia e evitar novos surtos, outra parcela vê na medida um cerceamento ao direito básico de cada cidadão de ir e vir.
No Brasil, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro já anunciaram a exigência de comprovação vacinal para participação em eventos de grande porte e, em alguns casos, até para entrar em locais como academias de ginástica e cinemas. A vacinação também vem sendo imposta como requisito por vários países que reabriram as fronteiras para brasileiros nas últimas semanas, como Uruguai, Alemanha, França e Espanha.
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Em Santa Cruz do Sul, o debate se instalou principalmente após o anúncio de que o acesso à 36ª Oktoberfest será exclusivo para pessoas vacinadas, decisão que foi alvo de questionamentos. Na semana passada, o líder de governo na Câmara, Henrique Hermany (Progressistas), protocolou uma indicação para que o passaporte seja implantado por lei para todos os eventos. Alguns vereadores já anunciaram voto contrário, caso o Palacinho envie projeto com esse objetivo.
Mas afinal, a medida fere ou não liberdades individuais elementares? Para o professor de Direito Constitucional e Direito Internacional da Unisc, Edison Botelho, a resposta é não. Segundo ele, as liberdades não são absolutas e restrições a determinados comportamentos são comuns para atender a interesses da coletividade. Como exemplos, ele cita a exigência de carteira de habilitação para dirigir, a proibição do acesso a determinados ambientes para menores de idade e o bloqueio de ruas para obras públicas. “É possível restringir para atender a uma finalidade pública. Nesse caso, é atender à saúde, ou seja, evitar o aumento da transmissão do vírus”, analisou.
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Conforme o pesquisador, é preciso observar ainda que os municípios têm responsabilidades previstas na Constituição em relação à preservação da saúde. No caso de locais que exigem comprovação de vacinação para turistas, ele lembra que essa já é uma realidade há muito tempo, vide os diversos países nos quais só imunizados contra febre amarela têm permissão de entrar. De acordo com Botelho, trata-se de um direito particular (o de livre circulação) em colisão com o direito da coletividade (a saúde). “Se uma rua é bloqueada para conserto de um buraco, o seu direito individual de circular ali é suspenso, mas em nome de uma coletividade. O direito do indivíduo não se sobrepõe ao direito coletivo”, acrescenta.
A adoção de medidas restritivas para combater a pandemia, como exigência de uso de máscara e até fechamento de estabelecimentos comerciais, está prevista em leis federais como a 13.979 e a 4.019, lembra a professora de Direito Constitucional da Unisc, Caroline Bitencourt. De acordo com ela, o fato de a vacinação não ser obrigatória não elimina a possibilidade de restrições a pessoas que abrem mão de se imunizar. “Você pode exercer a liberdade de não se vacinar, mas essa liberdade tem consequências. Não se trata de uma punição. Quando vivemos uma emergência sanitária, temos que olhar a perspectiva coletiva”, explicou.
Segundo a pesquisadora, no entanto, dois fatores precisam ser observados. O primeiro é que, para se adotar a comprovação vacinal como requisito para circulação em determinados locais, é preciso garantir amplo acesso à vacinação pela população e considerar, por exemplo, cidadãos que não se vacinam por orientação médica, sob pena de se gerar excluídos no acesso a cultura, lazer e serviços. “Há municípios em que a vacinação está extremamente avançada, enquanto outros ainda não conseguiram completar os grupos de risco”, destacou. O segundo ponto é evitar que o passaporte afaste a população das demais recomendações de proteção. “O passaporte não pode excluir o uso de máscaras e o distanciamento, pois essas medidas seguem previstas na lei”.
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Presidente da 36ª Oktoberfest, Roberta Pereira afirma que a opção pelo acesso de pessoas com o calendário de vacinação em dia tem dois propósitos: garantir um ambiente mais seguro para todos os envolvidos, tanto visitantes quanto artistas e prestadores de serviço, e estimular a vacinação, apontada por especialistas como a única forma de frear o avanço da pandemia. “Nosso entendimento é que, por tratar-se de um evento considerado não essencial, a medida se faz extremamente necessária. Respeitamos o direito individual de não se vacinar, mas não podemos permitir que este se sobressaia ao risco coletivo”, observou.
Segundo o doutor em Epidemiologia pela Ufrgs, Paulo Petry, a exigência de comprovação vacinal em ambientes como shows e até restaurantes é positiva. “Depois de 15 dias com a vacinação completa, a pessoa atinge o grau de imunização mais amplo. Então, exigir a vacinação em determinados locais onde as pessoas fatalmente se aglomeram garante uma proteção importante contra o contágio”, avalia.
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