Adoção: um ato de amor e responsabilidade

Ao mesmo tempo que existem milhares de crianças e adolescentes aguardando na fila da adoção, milhares de famílias esperam para poder adotar. Olhando de longe, parece uma questão simples de resolver, mas nem tanto. O processo de adoção, que é visto por muitas pessoas como lento e burocrático, transcorre dessa forma porque precisa cumprir uma série de regras para garantir que todas as partes envolvidas tenham segurança e transparência.

Juíza Lísia Dorneles Dal Osto

Conforme explica a juíza Lísia Dorneles Dal Osto, titular do Juizado Regional da Infância e Juventude, uma criança ou adolescente só fica disponível para adoção quando se esgotam todas as tentativas de reintegração na família de origem e o processo de destituição do poder familiar é concluído. Ou seja, é a última possibilidade. No caso de famílias com histórico de problemas graves e nas quais a Justiça entende que não é possível insistir, pode ocorrer a suspensão do poder familiar de forma liminar. Assim, a criança é disponibilizada para adoção enquanto o processo judicial transcorre.

“Eu sempre digo que a adoção traz uma imensa felicidade, mas antes dela há muita tristeza”, afirma Lísia. “Querendo ou não, o Estado não conseguiu fazer com que uma família pudesse se reestruturar, se tornar melhor e poder oferecer para outro ser humano algo melhor do que oferecia”, completa.

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Após dar entrada no processo, os interessados em adotar também precisam fazer um curso de habilitação. “Eu logo adianto a eles que não estamos aqui procurando filhos para ninguém, nós estamos procurando famílias para essas crianças que perderam as suas”, ressalta. Depois de habilitados, o aviso de que há uma adoção disponível pode chegar a qualquer momento. Por isso, a juíza reforça a importância da preparação para esse momento. “Assim que a pessoa se habilita, já passa a ser pai ou mãe em potencial.”

Ao comentar sobre o tempo médio de espera, Lísia explica que depende de vários fatores. No caso da entrega responsável, que ocorre quando os pais deixam o recém-nascido para adoção por iniciativa própria, a destituição do poder familiar é imediata e o trâmite desde o estágio de convivência até a conclusão da adoção é muito mais rápido. Quando há uma suspensão liminar desse poder, contudo, o processo judicial precisa ser respeitado e, ao final, ainda cabe recurso da decisão. “Com tudo isso, às vezes demora para que a guarda provisória que a família recebeu se transforme em adoção”, detalha.

Além disso, o perfil escolhido pelos adotantes influencia. “Quem quer um recém-nascido branco vai esperar muito mais tempo”, salienta Lísia. “Aqueles que estão dispostos a se doar para uma criança com idade mais avançada ou um adolescente vão esperar menos.” Mesmo assim, a juíza diz que é muito importante respeitar as decisões. “Nós não podemos obrigar as pessoas a sonharem ou desejarem diferente daquilo que elas querem.”

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Durante a aproximação, a família recebe acompanhamento do Juizado da Infância e Juventude. Infelizmente, nem sempre o resultado é positivo. “Às vezes o casal achava que sim, mas não estava preparado; ou o desejo era muito mais de um do que do outro”, comenta a juíza. Esses fatores embasam a decisão de dar prosseguimento ou não. “Não temos pressa em entregar as crianças. Eu não tirei de uma família ruim para dar a outra só porque querem. Nós realmente precisamos fazer essa avaliação.”

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Conheça o projeto Entrega Responsável

Com o objetivo de auxiliar gestantes que demonstram incertezas quanto a ficar com o filho ou entregá-lo para adoção, o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul criou o projeto Entrega Responsável. Mulheres que se encaixam nesse perfil podem procurar espontaneamente o Juizado da Infância e Juventude ou solicitar encaminhamento a ele por meio do Conselho Tutelar e profissionais da saúde ou assistência social. Elas recebem orientações sobre seus direitos e os da criança, assim como os caminhos necessários para que a decisão seja tomada com responsabilidade.

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É importante ressaltar que a criança somente poderá ser encaminhada para adoção após a mãe ser ouvida em audiência para manifestar livremente o seu desejo perante o juiz. A entrega responsável não é crime. Segundo a juíza Lísia, a reflexão sobre o tema é fundamental e pode evitar uma série de transtornos para todas as partes. “A família que não tem estrutura vai acabar entrando na rede de proteção. Nós podemos ter que tirar a criança e, durante esse tempo, ela vai passar por um sofrimento que não precisaria”, afirma.

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Para a magistrada, é um gesto de grande amor entregar por vontade própria um filho para adoção, mas também de muita dor. “É muito difícil olhar nos olhos dessas mulheres quando elas vêm até mim dizer que precisam entregar seus filhos porque não têm condições de ficar com eles, mesmo que quisessem”, conta. Os motivos são diversos, desde dificuldades financeiras e quantidade de filhos até a falta de estrutura e apoio. Após manifestar seu desejo, a mulher tem sete dias para mudar de ideia. Se não o fizer, ocorre a destituição do poder familiar e a criança é disponibilizada imediatamente para adoção.

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Além de ser mais rápida, essa modalidade garante mais segurança jurídica. “Tudo fica resolvido, as famílias não têm o desgaste de ficar esperando como aquelas que recebem as crianças liminarmente.” Lísia explica que sempre observa os prazos recursais e nunca libera uma criança para uma família de forma liminar antes de sua decisão ser contestada. Ainda assim, existe risco. “Uma entrega responsável é uma tranquilidade para todos, sem contar que se trata de um recém-nascido, que é o que a maioria sonha e espera.”

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Incompatibilidade

O Juizado da Infância e Juventude de Santa Cruz do Sul tem atualmente 15 crianças e adolescentes de 4 a 17 anos disponíveis para adoção. E são 66 famílias habilitadas para adotar.

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Esses dados podem gerar estranheza, mas a juíza Lísia explica que se trata dos perfis procurados e disponíveis. Em função da incompatibilidade, os números não fecham. Outro ponto importante de se esclarecer é que nem todas as crianças e adolescentes abrigados em locais como a Associação Comunitária Pró-Amparo do Menor (Copame) estão disponíveis para adoção. Muitos ainda se encontram em tentativas de reinserção na família de origem, e isso explica a discrepância entre o total de institucionalizados e o de disponíveis para adoção.

Grupo oferece informações e apoio aos interessados

Quando foi dar início ao processo de adoção, a advogada Caroline Albrecht encontrou diversas dificuldades, sobretudo durante o preenchimento do formulário no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento. “Eu busquei informações em diversos locais, mas senti falta de um grupo de apoio que pudesse me nortear nesse início”, conta. Uma das questões que causaram dúvida foi se ela estaria disposta a aceitar uma criança com doença tratável. “Eu então quis descobrir quais seriam essas doenças tratáveis, e pensei no número de adoções que podem não acontecer por falta de informação”, completa.

Durante o curso de habilitação, a advogada conheceu outras pessoas na mesma situação e, juntas, fundaram o Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção (Gaia), em setembro de 2019. O objetivo é prestar apoio às pessoas que querem adotar ou já adotaram, buscando tornar o processo mais fácil e rápido a partir dos relatos e orientações de quem já enfrentou as mesmas dificuldades.

Além do conhecimento, Caroline destaca a importância de oferecer acolhimento e informações para as famílias já habilitadas que ainda não foram chamadas. “É uma gestação do coração que não tem um tempo-limite, ao contrário da gestação do ventre, que dura nove meses”, observa. Segundo ela, o grupo se propõe a seguir trabalhando a ideia da adoção entre seus membros enquanto eles esperam. “E também buscamos preencher esse sentimento de vazio que existe entre a habilitação e a chamada.” No seu caso, a espera já dura dois anos e oito meses.

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Sonho de ter filhos foi realizado

Quando tentou engravidar, aos 32 anos, a professora Karina Brendler foi diagnosticada com endometriose severa e que causava infertilidade. Após algumas tentativas de fertilização in vitro sem sucesso, ela e o marido concluíram que o caminho não seria esse e decidiram iniciar um processo de adoção. “Era o nosso desejo ter uma família. Nos questionamos se queríamos ter filhos ou filhos biológicos, e para nós ficou muito claro que queríamos ter filhos”, conta. Mesmo assim, não foi uma decisão fácil nem imediata. Antes disso, o casal precisou viver o luto do filho biológico que não seria possível para então seguir adiante.

Para ela, esse processo é fundamental e não pode ser ignorado. “Se isso não for feito, muitas questões podem surgir. As adoções que ‘dão errado’ algumas vezes são motivadas por essa expectativa dos adotantes de que o filho seja parecido com eles”, ressalta. Assim, quando a criança chega para a família, essas expectativas emocionais não atendidas podem se tornar um empecilho para a vinculação e o sucesso da adoção.

Quando deu início ao processo, Karina morava em Capão da Canoa, município cujo tempo médio de espera para adoção era de seis anos. Ela então fundou um grupo de apoio para interessados e, a partir dele, começou a atuar junto ao Juizado da Infância e Juventude e também a promover campanhas para abreviar esse tempo. E a iniciativa teve sucesso: após três anos e meio, a tão esperada ligação aconteceu. Assim como a juíza Lísia, Karina enfatiza que o perfil escolhido pelos pais é determinante para o tempo de espera. Quanto mais aberto o perfil, menor é a demora.

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O primeiro filho chegou com 6 meses de idade. “Nós não tínhamos nada. O nosso perfil era de zero a 6 anos, então podia vir uma criança de qualquer idade. Tivemos que fazer o enxoval em horas”, revela. Após a chegada dele, a vida mudou completamente, desde a disponibilidade para trabalhar até os locais e ambientes frequentados. “Tudo muda, os interesses passam a ser outros e a vida ganha uma nova cor.” O casal, porém, queria outro filho e permaneceu na fila, até que o telefone tocou novamente no dia 25 de janeiro deste ano.

Eles foram beneficiados por uma entrega responsável e receberam um recém-nascido com dois dias de vida. “Ele veio para nós logo após deixar o hospital, e esse sim trouxe mudanças drásticas na nossa vida.” Karina destaca que essa situação é ímpar no âmbito da adoção, e pegou a família de surpresa. “É o que todo mundo quer. Ficamos em choque, pois esperávamos uma criança de mais idade tendo em vista o nosso perfil.” Como se pudesse ter sido escrito, o destino quis que ambos fizessem aniversário em 25 de maio, o Dia Mundial da Adoção. Nesta quarta-feira, portanto, João Vitor completa 4 anos e Thomas, 4 meses.

Evento

Para comemorar o Dia Mundial da Adoção e viabilizar um debate sobre o tema, o Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção (Gaia), em parceria com a Secretaria Municipal de Habitação, Desenvolvimento Social e Esporte e a Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), promove nesta quarta-feira, 25, uma roda de conversa. Estarão presentes a juíza titular do Juizado da Infância e Juventude de Santa Cruz do Sul, Lísia Dorneles Dal Osto; a promotora da Infância e Juventude de Santa Cruz, Danieli de Cássia Coelho; a presidente do Gaia, Caroline Albrecht; e a presidente do Grupo de Apoio à Adoção de Capão da Canoa, Karina Brendler.

A programação começa às 19 horas no auditório central da Unisc, com o credenciamento dos participantes. O objetivo é que o público faça perguntas e utilize o espaço para tirar dúvidas com as especialistas. O encerramento ocorrerá às 21h30. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo link bit.ly/3LG1ees. Um certificado de comparecimento será fornecido para aqueles que assinarem a lista de presença.

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Marcio Souza

Jornalista, formado pela Unisinos, com MBA em Marketing, Estratégia e Inovação, pela Uninter. Completo, em 31 de dezembro de 2023, 27 anos de comunicação em rádio, jornal, revista, internet, TV e assessoria de comunicação.

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Marcio Souza

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