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Adoção tardia: uma decisão que transforma vidas

Foi durante uma caminhada na beira de uma praia em Santa Catarina que a vida de Sérgio Mallet e Luciane Tabbal começou a mudar para sempre. Em dezembro de 2017, o casal, moradores de Porto Alegre, comemorava três décadas de uma união que já havia gerado três filhos.

Naquele momento, porém, eles decidiram retomar um antigo projeto que o passar dos anos havia deixado em segundo plano: adoção. Era o início de uma história que transformou o mundo deles e de duas crianças de Santa Cruz do Sul.

O assunto voltou a povoar a mente de Sérgio após ler uma reportagem em um jornal do Tribunal Regional do Trabalho, onde é servidor. Bastaram alguns minutos de conversa com Luciane, que é professora universitária, para que os dois se convencessem.

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De volta em casa, só precisaram aguardar o fim do recesso no Poder Judiciário para, já no primeiro dia, dar início ao processo na Vara da Infância e Juventude. Seis meses depois, estavam habilitados junto ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).

A experiência como pais, a disponibilidade de espaço físico e a perspectiva de aposentadoria próxima, o que lhes garantiria mais estabilidade e tempo, estavam entre os fatores que encorajavam o casal. “Moramos em um casa com pátio, que foi muito aproveitado pelos filhos biológicos quando eram pequenos e pensávamos que podia ser aproveitado por outras crianças também”, recorda Luciane.

Amanda e Matheus ao lado dos irmãos “de coração”: Gabriel (à esq.), Miguel e Jamile

Ambos com 53 anos à época, optaram desde o início por uma criança mais velha – justamente o perfil que costuma encontrar mais resistência entre os adotantes. “Havia grupos de irmãos, crianças mais velhas, todas essas situações que dificultam. Mas como já éramos pais, tínhamos essa noção de que filhos nunca são o que a gente idealiza. Começamos a pensar: por que não?”, conta Sérgio.

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Embora estivessem cientes de que adoção não é caridade, os dois também viam ali uma oportunidade de oferecer um futuro melhor a alguém. Para isso, no entanto, sabiam que teriam de renunciar a outros planos, comuns a casais após os descendentes atingirem a independência, como viajar mais ou até ir morar na praia.

“Recalculamos a nossa rota, colocando filhos novos na nossa vida”, relata o pai. Para eles, o mais importante é ter ciência da responsabilidade. “É aquilo que vale para o filho biológico também: tem que querer ser pai e mãe. Filho não é bem de consumo”, observa Sérgio. Conforme Luciane, apesar da surpresa, os filhos biológicos (que hoje têm entre 20 e 29 anos), apoiaram a ideia, cada um a seu tempo.

“Quando chamamos eles, o Sérgio falou: ‘o que vocês acham de ter mais um irmão?’. Eles até olharam para ver se eu estava grávida (risos). A partir daí, foi transcorrendo o processo.”

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“Parece que sempre estiveram na nossa vida”

Após a habilitação no SNA, Sérgio e Luciane passaram a ter acesso a um aplicativo, desenvolvido de forma pioneira pela Justiça gaúcha, que permite a busca por crianças e adolescentes aptas à adoção. Foi assim, em fins de setembro de 2019, que eles chegaram aos irmãos Matheus e Amanda, de 10 e 12 anos, que à época estavam abrigados na Copame.

Era a segunda tentativa do casal. A primeira foi com uma adolescente de 14 anos de Porto Alegre, que chegou a frequentar a casa da família e a fazer viagens com ela, mas que acabou optando por não ser adotada.

Apesar da experiência e de até então não terem cogitado adotar mais de uma criança, não demorou para que os dois se interessassem em conhecer Amanda e Matheus, que também já haviam iniciado um processo de adoção por outra família mas acabaram devolvidos.

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“Quando vimos os dois no aplicativo, foi aquela coisa: tem que ser”, conta Luciane. A partir daí, as vindas a Santa Cruz se tornaram semanais e a sintonia com as crianças, órfãos de pai e mãe biológicos, não demorou a nascer. Dois meses depois, eles obtiveram a guarda provisória e as crianças foram morar na Capital.

A sentença definitiva saiu em outubro do ano passado. Com a pandemia e as aulas remotas, a convivência da família se tornou muito mais intensa. Sérgio e Luciane, que até darem início ao processo já tinham os pensamentos voltados aos futuros netos e a uma rotina mais tranquila, voltaram a ter obrigações do tipo auxiliar nas tarefas escolares.

Os laços, porém, foram reforçados, assim como a certeza sobre a decisão tomada. “Quando nasce um filho biológico, a gente não imagina mais a vida sem eles. E o adotado é a mesma coisa. Já não conseguimos nos imaginar sem eles. Parece que sempre estiveram na nossa vida”, observa Sérgio.

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Audiência virtual na qual saiu a sentença definitiva de adoção de Amanda e Matheus ocorreu no mês de outubro do ano passado

Todo o processo de adoção rendeu ao casal boas recordações do acolhimento que tiveram tanto no Fórum quanto na Copame, além do vínculo com Santa Cruz, que passou, nas palavras de Sérgio, a ser “a cidade do nosso coração”.

O CAMINHO ATÉ A ADOÇÃO

1 – Após tomarem a decisão, em janeiro de 2018, Luciane e Sérgio protocolaram a documentação junto à Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre.

2 – No fim de fevereiro, eles receberam a convocação para uma reunião coletiva, da qual participaram outros pretendentes à adoção. A partir daí, teve início o curso preparatório obrigatório com diversos profissionais, incluindo psicólogo e assistente social, e que também envolveu os filhos biológicos.

3 – Em agosto, eles foram habilitados e incluídos no antigo Cadastro Nacional de Adoção, hoje Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA). Naquele momento, também definiram o perfil da criança que desejavam, em termos de idade e cor, entre outros.

4 – No fim de setembro de 2019, após a primeira experiência com uma adolescente de Porto Alegre que não deu certo, manifestaram interesse por conhecer Amanda e Matheus na Copame. A partir daí, passaram a vir semanalmente a Santa Cruz.

5 – No dia 21 de dezembro, os irmãos se mudaram para a casa deles. A guarda provisória, que seria de 90 dias, acabou estendida após a eclosão da pandemia.

6 – Em outubro de 2020, poucos dias antes do Dia da Criança, houve a audiência virtual da qual saiu a sentença definitiva, a partir de parecer favorável do Ministério Público e da avaliação positiva de uma assistente social.

Com a pandemia, número de adoções cai, mas ocorrem “quase milagres”

Assim como ocorreu em todo o País, o volume de processos de adoção concluídos na Vara de Infância e Juventude de Santa Cruz caiu após o início da pandemia. Um dos problemas foi o fechamento dos fóruns, o que tornou mais lenta a tramitação das ações.

Além disso, houve um movimento menor de famílias buscando habilitação, em razão da insegurança quanto ao futuro. Segundo dados fornecidos pelo juizado, em 2018 foram registradas 15 colocações de crianças em família substituta – algumas ainda na modalidade de guarda provisória, ou seja, sem sentença definitiva. Já no ano passado, foram sete.

Conforme a juíza Lísia Dorneles Dal Osto, porém, há motivos para comemorar. Um deles é um número menor de devoluções, que ocorrem quando, após iniciar o estágio de convivência com a criança, a família conclui que não tem condições de prosseguir.

“Muitas vezes a família não está tão preparada quanto achava que estava.” Outro aspecto positivo envolve adoções de crianças e adolescentes com perfis que encontram mais dificuldades, incluindo um jovem de 17 anos – ou seja, prestes a atingir a maioridade.

“Não posso dizer que foi um ano perdido. Tivemos menos colocações, mas foram colocações difíceis, algumas quase milagres”, observou Lisia. Atualmente, há 63 famílias já habilitadas e sete crianças aptas à adoção. O juizado também trabalha para implantar aqui o projeto Acolhimento Familiar, que permite que famílias acolham crianças e adolescentes por períodos curtos, até que sejam colocadas em uma família substituta ou devolvidas para a família de origem. Para isso, a família recebe um auxílio financeiro do Poder Público.

De acordo com Lisia, a iniciativa, bem-sucedida em outras regiões, como Santo Ângelo, evita que a criança tenha que ser abrigada em instituições – que, não raro, enfrentam falta de vagas. Dúvidas sobre o processo de adoção podem ser tiradas junto ao Juizado da Infância e Juventude: frsantcruzjij@tjrs.jus.br.

ADOÇÕES NA REGIÃO

15 colocações em 2018, com duas devoluções
11 colocações em 2019, com cinco devoluções
7 colocações em 2020, sem devoluções
63 é o número de famílias habilitadas
14 é o número de processos de habilitação em andamento
10 é o número de pedidos de habilitações que ingressaram em 2020
7 é o número de crianças e adolescentes aptos à adoção

*Os números referem-se à região de abrangência da Vara da Infância e Juventude de Santa Cruz do Sul.

Cristiano Silva

Cristiano Silva, de 35 anos, é natural de Santa Cruz do Sul, onde se formou, na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), em 2015. Iniciou a carreira jornalística na Unisc TV, em 2009, onde atuou na produção de matérias e na operação de programação. Após atuar por anos nos setores de comunicação de empresas, em 2013 ingressou no Riovale Jornal, trabalhando nas editorias de Geral, Cultura e Esportes. Em 2015, teve uma passagem pelo jornal Ibiá, de Montenegro. Entre 2016 e 2019, trabalhou como assessor de imprensa na Prefeitura de Novo Cabrais, quando venceu o prêmio Melhores do Ano na categoria Destaque Regional, promovido pelo portal O Correio Digital. Desde março de 2019 trabalha no jornal Gazeta do Sul, inicialmente na editoria de Geral. A partir de 2020 passou a ser editor da editoria de Segurança Pública. Em novembro de 2023 lançou o podcast Papo de Polícia, onde entrevista personalidades da área da segurança. Entre as especializações que já realizou, destacam-se o curso Gestão Digital, Mídias Sociais para Administração Pública, o curso Comunicação Social em Desastres da Defesa Civil, a ação Bombeiro Por Um Dia do 6º Batalhão de Bombeiro Militar, e o curso Sobrevivência Urbana da Polícia Federal.

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Cristiano Silva

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