Uma discussão judicial envolvendo a Prefeitura de Pantano Grande chama a atenção para uma dúvida que paira sobre muitos governantes do Brasil. Afinal, a administração pública pode ou não terceirizar servidores de forma irrestrita?
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O governo de Pantano é alvo de uma ação ajuizada pelo Ministério Público em novembro, a partir de uma denúncia feita por vereadores, em função da contratação de uma empresa para fornecimento de profissionais que atuam em serviços de manutenção de estradas. A Promotoria alega que isso configura uma burla à exigência do concurso público. Assim, pediu que o contrato fosse suspenso e a Prefeitura fosse obrigada a realizar um processo seletivo de servidores. Na segunda-feira, a juíza Magali Wickert de Oliveira, do Fórum de Rio Pardo, concedeu em parte a liminar, mantendo provisoriamente o contrato, mas dando prazo de seis meses ao Município para encaminhar o certame.
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A Prefeitura, que deve recorrer da decisão, alega estar amparada em uma posição tomada em agosto de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou constitucional a terceirização irrestrita. Desde 2017, quando foi sancionada a nova legislação pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), empresas e órgãos públicos podem terceirizar, inclusive, as chamadas atividades-fim e não apenas as atividades-meio, como era até então (confira boxe).
O assunto, porém, ainda suscita diferentes posicionamentos da Justiça e dos órgãos de controle. Na ação de Pantano, o MP alega que não houve terceirização lícita e sim “intermediação, agenciamento, locação de mão de obra”. “O Município contratante exigiu a colocação à sua disposição, no lugar previamente indicado por ele, de número certo de profissionais, para exercer atividade específica durante determinado número de horas semanais, além de estabelecer o rol de atividades próprias de cada um dos profissionais, que coincidem com aquelas correspondentes aos cargos públicos já existentes”, diz o processo.
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A Promotoria alega ainda que o princípio da economicidade não pode ser o único fator para justificar a terceirização e que ela não pode ser “ampla e irrestrita a ponto de transferir a gestão, organização e execução de serviços públicos essenciais e de atividades de natureza permanente, nem de permitir a mera intermediação de mão de obra para as atividades que sejam inerentes aos cargos públicos existentes”.
O caso
Em julho do ano passado, a Prefeitura de Pantano lançou uma licitação para contratar empresa de fornecimento de mão de obra. O edital previa que fossem fornecidos até 19 profissionais para atuar como operadores de máquinas pesadas e motoristas em serviços de manutenção de estradas e vias vicinais. O valor do contrato, assinado em agosto para um período de um ano, é de R$ 932 mil.
“É uma forma moderna de gestão”, diz procurador
Segundo o procurador jurídico do Município de Pantano Grande, Diogo Durigon, a Prefeitura optou pela terceirização por considerar essa “uma forma moderna de gestão”. “A perspectiva de terceirização existe tanto no setor privado quanto no setor público. Não se percebe interesse público em criar um vínculo com um trabalhador que vai durar 20 ou 30 anos se é possível contratar para uma demanda objetiva e pontual, enquanto houver necessidade”, argumentou.
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Durigon lembrou ainda que outros órgãos, incluindo tribunais de justiça e o próprio Ministério Público, também vêm terceirizando atividades, e disse considerar natural que haja dúvidas em relação ao tema. “Sabemos que, como é algo novo, haveria alguma resistência. Mas estamos amparados no paradigma do STF. E já há indicadores de que o rendimento e o resultado do serviço são maiores nesse modelo”, disse.
Conforme ele, o despacho da Justiça que deu prazo de seis meses para a realização de um concurso público deve ser questionado, inclusive em função das restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela legislação eleitoral.
Promotoria afirma que houve problemas na licitação
Além da possível irregularidade na terceirização de mão de obra, o Ministério Público também apontou problemas na licitação que levou à contratação da empresa pela Prefeitura de Pantano. A ação alega que o edital não exigia “qualificação técnica e econômico-financeira adequada dos potenciais licitantes” e que apenas cobrava a apresentação negativa de falência – o que, segundo a Promotoria, permitia a participação de “qualquer empresário individual ou sociedade empresária de diminuto capital social e sem qualquer expertise”.
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Ainda de acordo com o MP, a empresa vencedora, que foi constituída dois meses antes do lançamento da licitação, foi representada por uma servidora aposentada da Prefeitura, que é irmã de um dos sócios e filiada ao PP, mesmo partido do prefeito Cássio Nunes Soares. Isso comprometeria a impessoalidade da disputa.
Segundo Diogo Durigon, a licitação seguiu todos os trâmites regulares e a empresa venceu porque ofereceu o menor preço, conforme previa o edital. “Não houve qualquer impugnação, a licitação estava aberta para todo mundo participar e não há qualquer demonstração de que foi maculada”, afirma. Alega ainda que o procedimento passou por auditoria do Controle Interno da Prefeitura e foi conduzido por técnicos do governo.
Para entender
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Como era a regra anterior?
Uma súmula do Tribunal Superior do Trabalho (TST) só autorizava as empresas a terceirizarem atividades não essenciais – as chamadas atividades-meio. Exemplo: uma montadora podia terceirizar a limpeza, a alimentação dos funcionários e a segurança, mas não a fabricação dos carros em si.
O que mudou?
Com a nova lei, a terceirização se tornou irrestrita e, com isso, as atividades principais de uma empresa também podem ser terceirizadas. Assim, a montadora pode terceirizar os trabalhadores que atuam na fábrica, bem como escolas podem terceirizar professores, hospitais podem terceirizar médicos e enfermeiros e bancos podem terceirizar atendentes de caixa. A regra vale tanto para empresas privadas quanto para a administração pública. Ainda existem dúvidas, no entanto, sobre o alcance da medida.
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