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Ação de servidor ao socorrer casal gera questionamentos

Acostumado a dirigir ambulâncias e a transportar pacientes para tratamentos e consultas médicas, função que realiza há 16 anos junto à Prefeitura de Gramado Xavier, o servidor público Ademir Augusto Battisti Júnior, de 42 anos, nunca imaginou que viveria algo parecido com o que enfrentou na manhã desta quinta-feira, 21. Eram 8h30 quando Bino, como é conhecido, saiu do município a bordo de uma Chevrolet Spin para levar quatro pacientes até Candelária, onde elas realizariam cirurgias para catarata. No entanto, quando chegaram perto do trevo de acesso a Vale do Sol, na RSC-153, depararam-se com um caminhão tombado.

“A gente estava conversando e, quando nos demos conta, vimos aquele caminhão se arrastando. Já tinha fogo nas rodas do cavalinho, e eu desci para ver se havia alguém dentro. Tinha duas pessoas, e elas estavam conscientes. Comecei a jogar pedras para tentar quebrar o vidro, e o cara começou a bater também. Não temos mais extintores nos carros novos, então não tinha como conter o fogo”, relatou Bino. Enquanto tentava quebrar o para-brisa, as chamas começaram a se alastrar e uma fumaça preta tomou conta do local. “Não enxergava o caminhão, não enxergava mais nada. Consegui quebrar o vidro, e o cara saiu dizendo que a mulher dele estava lá dentro. Era fogo, fumaça e mais fogo. Então, por um milagre, a mulher apareceu caminhando no meio daquilo, com o cabelo queimando”.

De acordo com Bino, o caminhoneiro, que mais tarde foi identificado como Paulo Gerson Lopes, de 50 anos, estava com um sangramento no braço. Já a mulher, Josele Christiane Bueno Lopes, de 59 anos, teve seu cabelo queimado e sofreu queimaduras nos pés. O motorista levou o casal, que é de São Paulo, para o Hospital Vale do Sol. “Eu estava com pacientes sem gravidade, que só fariam a cirurgia à tarde. Deixei elas na rodovia, em um local seguro, ajudamos a estancar o sangramento do homem com a própria camiseta dele e levei os dois. Prefiro pecar por excesso do que por negligência”. Ao servidor, o casal contou que transportava cerca de 40 toneladas de carne e costumava levar os netos nas viagens, mas, dessa vez, havia deixado as crianças.

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Depois de socorrer as vítimas, Bino voltou ao local do acidente e levou as pacientes para Candelária. Foram as mulheres, por meio das redes sociais, que divulgaram a atitude do motorista na tarde desta quinta-feira.

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Ação do servidor gera questionamentos
Apesar da boa intenção, Bino afirma ter sido alvo de críticas em Vale do Sol. De acordo com ele, equipes do hospital e da Secretaria de Saúde do município questionaram sua atitude e afirmaram que o servidor não deveria ter agido por conta própria. “Eu cheguei em dez minutos no hospital e os bombeiros só conseguiram chegar lá bem depois, quando eu já estava voltando para buscar meus pacientes. Não podia deixar de ajudar, não ia ver aquelas pessoas morrendo na minha frente”, comentou.

O diretor do Hospital Vale do Sol, Marco Machado, afirmou que a regra para esse tipo de situação é acionar o Samu. Sobre a falta de sinal no local do acidente, ele disse que Ademir deveria ter se deslocado para algum ponto onde o telefone funcionasse e, então, chamado o serviço. “A regulação é assim. Não pode simplesmente carregar um paciente em um carro pequeno e levar para o hospital mais próximo”, frisou.

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Segundo ele, como o acidente aconteceu em uma rodovia estadual, o casal não deveria ter sido encaminhado para Vale do Sol. “Se o Samu tivesse sido acionado, eles provavelmente teriam sido levados para Santa Cruz”. Apesar disso, segundo Machado, o hospital não negou atendimento.

O que diz o secretário
O secretário de Saúde do município, José Valtair dos Santos, afirma que a preocupação da pasta foi quanto a uma suspeita de fraturas em um dos pacientes. “Havia suspeita de que o homem estivesse com uma fratura no fêmur e no ombro; não poderia ter sido colocado em um carro pequeno. Ele deveria ter socorrido a vítima e jogado para o lado (do caminhão), mas não ter trazido dentro do carro pro hospital”, disse. De acordo com Santos, o Hospital Vale do Sol tem apenas dois médicos, que estavam em uma cirurgia quando o casal chegou à instituição. Por causa disso, eles teriam sido levados para uma Unidade Básica de Saúde.

“A unidade não tem estrutura para isso. Nós levamos eles com maca de volta para o hospital. Graças a Deus, em cinco minutos resolvemos e uma ambulância do município os levou para Rio Pardo”, conta. O secretário reforça que acidentes em rodovias estaduais e federais devem ser atendidos pelo Samu ou pelo Corpo de Bombeiros. “Não se pode botar dentro de um carro uma pessoa com suspeita de fraturas. E se essas pessoas morrem? Hoje ele (Bino) está sendo um herói, mas poderia estar atrás das grades se algo tivesse acontecido”.

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“Não quero ser o herói, mas tive oportunidade de ajudar”
Bino afirma que agiu por instinto. “Estava pegando fogo e eu comecei a imaginar a situação das pessoas lá dentro. Acho que nunca mais ia dormir na vida se não tivesse ajudado”, contou. Segundo o servidor, cerca de dez segundos após o homem sair do caminhão, o fogo começou a se espalhar e a fumaça ficou cada vez mais intensa. Nenhum carro passou no momento, e a saída para quebrar o vidro foi procurar pedras na beira da estrada. “O cara praticamente saiu do meio do fogo, parecia coisa de filme. Eu dirijo ambulâncias, mas aí a gente sai preparado e sabe o que vai encontrar. Dessa vez foi na hora, nunca imaginei que ia passar por isso”, ressaltou.

Das primeiras chamas, que começaram próximo às rodas, até o veículo inteiro incendiar, conforme Bino, foram cerca de sete minutos. “Se eu estivesse com meu carro ou o carro da Prefeitura, faria tudo de novo. Eu não quero ser o herói, mas tive a oportunidade de ajudar. Como não ia fazer?”, comentou. A Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros também atenderam a ocorrência.

Battisti, o Bino: “Faria tudo de novo” | Foto: Divulgação/GS


Como agir nesses casos
Conforme o soldado Anderson Thomaz, do 6º Batalhão de Bombeiros Militar de Santa Cruz do Sul, o caso de Vale do Sol foi totalmente atípico – não havia sinal de telefone, o caminhão estava em chamas e o motorista não tinha extintor. No entanto, em situações normais, há uma série de atitudes que devem ser tomadas, a fim de intervir o mínimo possível na cena e junto às vítimas. Segundo Thomaz, primeiro é preciso manter a calma e garantir a segurança, sinalizando a rodovia bem antes de o acidente estar visível aos motoristas. Isso evita que as consequências sejam ampliadas. Em seguida, deve-se ligar para o socorro e verificar a situação das vítimas.

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Ao chamar ajuda, conforme o bombeiro, é importante saber explicar o tipo de acidente (se é com carro, motocicleta; se é colisão, atropelamento etc.), a gravidade aparente, o nome da rua e um número próximo, o número aproximado de vítimas envolvidas e se há pessoas presas nas ferragens, se há vazamento de combustível e produtos químicos e ainda se o acidente envolve caminhões ou ônibus. Como há risco de incêndio, é preciso afastar os curiosos, desligar o motor do veículo (se for fácil e seguro) e deixar um extintor pronto para uso, enquanto se aguarda pelo socorro.

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