Vivemos uma era de absurdos, em que até o bizarro tem a capacidade de se normalizar. O ultrajante já não assombra e revolta. A hipocrisia vira regra. O cinismo é método e o charlatanismo é encarado com leniência. Nesse contexto, já chamado, e com razão, de pós-democrático, em que o estado de exceção vai se constituindo como regra, a tendência é não nos abalarmos com o que deveria ser visto como absurdo ou insano. Não há trégua, a cada dia as infâmias se atualizam. Destaco algumas delas fartamente noticiadas nas redes sociais e até pela mídia tradicional.
A imagem da semana não poderia ser outra: a prisão de Eduardo Suplicy. O ex-senador foi preso por participar de uma manifestação contra a reintegração de posse de uma área de São Paulo ocupada por mais de 300 famílias de baixa renda. Tem razão o esquerdizante Paulo Nogueira quando afirma que “um país que prende Suplicy e deixa solto Eduardo Cunha é um país doente”. As situações são diferentes, poder-se-ia argumentar, mas não deixa de ser escandaloso.
Cunha continua solto, é um defensor da plutocracia que participa do golpe, tem o presidente interino em suas mãos (Temer se pela de medo dele), como já deixou claro, e tem poder suficiente para implodir a classe política brasileira que gravita em torno do golpe, o que o protege. Dirão alguns que Suplicy afrontava uma decisão judicial e que os métodos usados pela PM foram razoáveis frente à resistência de Suplicy e das famílias que ocupam tal área. Mas estes mesmos provavelmente são os que silenciam quando confrontados com a informação de que, segundo um estudo de 2015, a maior parte das terras ilegalmente ocupadas em Brasília (e não só), por exemplo, situa-se justamente nas áreas mais ricas, onde a renda familiar é de R$ 21 mil. Nestas não teremos reintegração de posse nem tratores derrubando casas.
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O interino Michel Temer é muito cauteloso ao analisar o currículo daqueles que são chamados para participar do seu “governo”, que já parece mais uma quadrilha. Se até Gustavo Perrella (PSD-MG), o proprietário do helicóptero apreendido com 450 Kg de cocaína, em 2013, pôde ser chamado para ocupar uma secretaria no Ministério dos Esportes, não surpreende que o interino tenha nomeado a deputada cassada pelo TSE, Vanessa Damo (PMDB), para a superintendência do Ibama em São Paulo, uma autarquia federal do Ministério do Meio Ambiente.
Tornozeleira eletrônica já pode ser considerada objeto de fetiche. É o que parece indicar o bizarro ensaio fotográfico “sensual” feito para a revista Veja pela doleira condenada na Lava Jato, Nelma Kodama, que posou às câmaras com uma tornozeleira eletrônica, pois que está em prisão domiciliar. Conhecida por ter sido presa no aeroporto de Guarulhos, em 2014, com 200 mil euros na calcinha, teve sua pena de 15 anos comutada para prisão domiciliar pelo bondoso juiz Moro que, paradoxalmente, havia afirmado que a “modelo” tinha uma “personalidade voltada para o crime”.
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