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Abril Azul: um mês dedicado a pensar o autismo

Abril tornou-se azul para lembrar o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O dia 2 deste mês foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2008, como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. O autismo é um transtorno do desenvolvimento neurológico, que afeta aspectos da comunicação, da linguagem e do comportamento social. Segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 110 pessoas. Dessa forma, estima-se que o Brasil, com seus aproximadamente 200 milhões de habitantes, possua cerca de 2 milhões de autistas.

O espectro recebe esse nome porque engloba uma série de condições que variam de intensidade, leve, moderado, grave. A principal forma para se obter o diagnóstico é através da observação, realizada de forma clínica. Segundo o Ministério da Saúde, sinais de alerta no neurodesenvolvimento da criança podem ser percebidos nos primeiros meses de vida, sendo o diagnóstico estabelecido por volta dos 2 a 3 anos de idade. A identificação de atrasos no desenvolvimento, o diagnóstico oportuno de TEA e encaminhamento para intervenções comportamentais e apoio educacional na idade mais precoce possível, podem levar a melhores resultados a longo prazo.

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Na Apae em Sobradinho são atendidas cerca de 25 pessoas diagnosticadas com TEA. Segundo a terapeuta ocupacional Nathalia Serena Zanella, é perceptível o aumento nos diagnósticos de diferentes transtornos, entre eles o autismo. “Cada criança tem seu tempo para caminhar, falar, desenvolver certas habilidades, mas a evolução precisa estar dentro do prazo que é o ideal para cada faixa etária. Se foge disso, é preciso investigar”, salienta.
Conforme Nathalia, o autismo normalmente é diagnosticado próximo aos dois anos de idade, mas também pode ocorrer em uma fase da juventude ou início da vida adulta. “É preciso trabalhar através do estímulo, do aprender brincando. Em muitos casos o autismo pode estar associado a outro transtorno. Bem como a pessoa com autismo pode desenvolver uma estereotipia ou hiperfoco. Neste sentido, o atendimento multiprofissional é muito importante para o desenvolvimento, para a autonomia”, salienta.

Nathalia atua na terapia ocupacional na Apae e atende crianças, jovens e adultos com autismo

Para a família do servidor público Emerson Job Lisboa e da professora Silvana Matte Lisboa, a descoberta do TEA veio após um ano e meio do nascimento do pequeno João Lisboa. “Não víamos nada de diferente. Ele falava algumas palavras simples e do nada parou de falar. É como se tivesse desligado em um botãozinho. Ele também não aprendeu novas palavras”, destacam os pais. Foi aí que Silvana começou a perceber que ele não olhava mais nos olhos e também não se assustava com nada. “Ele não tinha reflexo. E na escolinha ele começou a ficar sozinho, isolado”, acrescenta o pai.

Por desconfiar que algo pudesse estar fora do ritmo, a mãe adotou o costume de anotar a forma como o pequeno se comportava diante de algumas situações. Foi assim que foram se somando detalhes diferentes no desenvolvimento de João. “Fomos percebendo que ia regredindo. Não houve uma estabilidade. Ele também não demonstrava dor. Podia se machucar e não reclamava”, pontua Silvana.

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Ela recorda até hoje uma tarde em que passava com o filho, quando notou seu olhar distante. “Era um olhar que transpassou por mim. Foi um dia bem marcante. Eu já tinha várias anotações sobre o que ele deixou de fazer e do que estava fora do padrão. Então resolvemos marcar um especialista neurológico”, destaca Silvana. João estava próximo de completar dois anos de idade. “Fomos para confirmar o diagnóstico, mas já tinha dentro de mim essa certeza que era autismo”, ressalta a mãe.

As mãos dos pais e do irmão Davi, de 15 anos, tornaram-se extensão do corpo de João, levando-as a abrir a maçaneta da porta e pegar objetos para o pequeno. “Quando chegamos no neuro já tínhamos várias observações anotadas, pois o autismo não tem um exame para diagnosticá-lo. É um caso clínico. Então há uma importância muito grande da família em estar atenta aos sinais dos filhos, do seu desenvolvimento”, enfatizam.

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Davi, Silvana, João e Emerson

Uma das formas de identificar no comportamento das crianças certos atrasos, segundo Silvana, é ter uma ideia do que mais se adequa a cada faixa etária. “Quando viemos de Santa Cruz do Sul, o papel do diagnóstico na verdade não mudou nada. Somente para encaminhar alguma terapia ou algo neste sentido. Mas, no dia a dia tivemos muito trabalho. O diagnóstico rápido, precoce, contribuiu para que intervenções fossem realizadas o quanto antes, tanto com profissionais, como com o núcleo familiar. Tínhamos todo um projeto em cima do João, desde uma ida ao supermercado, um passeio pelo centro. Tudo tinha um preparo”, salienta a mãe.

Conforme ela, foi primeiro necessário estabelecer um vínculo, trazê-lo para próximo deles, encontrando uma forma de se comunicarem. “Ele estava ali, mas era como se não estivesse. Ele não tinha reação. Tínhamos que buscar essa comunicação. Não foi fácil, mas a gente não desistiu. Íamos naquilo que ele estava fazendo e repetíamos, nem que ele olhasse apenas um segundo pra gente. Naquele um segundo falava: ‘a mãe está aqui’, até ele começar a olhar um pouco mais”, ressalta Silvana, acrescentando que era como se ele necessitasse confiar, para então abrir o caminho do diálogo. “Foi um susto no início, com a regressão do aprendizado. Todo filho é uma benção, o transtorno não é. Tu abandona o teu mundo para mergulhar nesse universo”, comentam os pais.

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Durante o processo de intervenções e novos incentivos, Silvana criou diferentes estratégias lúdicas para ensinar comandos a João e iniciar sua alfabetização. “Por ser professora, essa didática me deu uma luz maior. Conseguia ver o que já tinha atingido e o que era necessário retomar. No início foi difícil para ele entender um comando, como por exemplo buscar uma laranja. Depois de um tempo, comecei a trabalhar quantidade e para quem ele deveria entregar a fruta”, salienta.

O trabalho com profissionais da área, entre os quais a fonoaudióloga, segundo os pais, foi fundamental no processo de desenvolvimento, assim como as sessões de terapia e educação especial. “Hoje João está alfabetizado. Ele foi classificado de moderado a grave e, por ser um espectro, poderia evoluir. Hoje ele está no espectro leve, possui apenas alguns traços leves”, reforçam os pais.

“No autismo tu não vê a dimensão do que está indo e o que está vindo. Não se sabe de imediato se tudo o que está sendo feito está surtindo efeito. Começamos a colher os resultados depois de dois anos, quando ele começou a se comunicar mais e voltamos a ter um pouco mais de vida. Nos doamos ao máximo para este momento, que era necessário. Era tudo em detalhes, feito com rotina”, enfatizam, destacando a importância do fortalecimento do núcleo familiar.

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Desenvolvimento

João, hoje com 6 anos, está no 1º ano na EMEB Borges de Medeiros, onde os pais disseram ele ter sido muito bem acolhido, assim como na creche. “Somos uma rede. Todo início de ano conversamos com a professora, destacamos as reações dele, quais atitudes tomar. É importante a família fazer isso, levar estas informações para facilitar para os dois lados”, salienta Silvana. “Com o TEA não existe um padrão. Cada autista age de um jeito. Por isso, cada família deve ser especialista no seu filho”, acrescenta Job.

Segundo eles, essa rede é fundamental, uma união de esforços para que os estímulos avancem positivamente. “O neurologista nos falou: vocês podem levá-lo nos melhores terapeutas, mas os maiores terapeutas são os pais, pois é com vocês que ele mora. Formamos uma equipe. Estávamos em uma grande sintonia para lidar com cada situação. O João tinha essa rede com a escola, em casa e terapeutas, para chegar onde chegamos, alcançar os resultados. Mas também sabemos que não tem cura, não é uma doença. Cada fase vai ter um desafio diferente”, salienta Silvana.

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Mais do que nunca é preciso ter a compreensão sobre o autismo e a inclusão existir em todo lugar. “Hoje ele mesmo já está corrigindo os erros, buscando soluções. A cada conquista recebemos como se fosse um troféu. Não vemos diferença na capacidade do Davi, nosso filho mais velho, para ele. O que a gente vê de diferença, comparando entre um que estaria dentro do padrão e um neurotípico, é somente a questão do social. O João precisa reconhecer o ambiente, conhecer a geografia do ambiente”, pontuam.

“A gente sempre foi família, mas hoje mais ainda. A gente erra as vezes, pensando em acertar. Nosso trabalho em rede, de antecipar o treinamento de algo que virá pela frente, é pensando em ele ter sua própria autonomia. Ele precisa ser feliz e precisa se virar no mundo. Ele é capaz”, reforçam os pais.

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Nathana Redin

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