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Abdulrazak Gurnah, da Tanzânia, ganha o Nobel de Literatura

Com uma obra que aborda temas como identidade e deslocamento e o legado do colonialismo sobretudo na vida de pessoas desenraizadas, Abdulrazak Gurnah, ele mesmo um refugiado que nasceu na Tanzânia, em 1948, e buscou asilo na Inglaterra ainda na juventude por perseguição religiosa, é o mais recente Prêmio Nobel de Literatura. O anúncio foi feito pela Academia Sueca no início da manhã de quinta-feira, 7, e pegou o autor de surpresa, na cozinha de sua casa em Brighton – ele até achou que aquela ligação que recebeu minutos antes do anúncio oficial era trote.

Inédito no Brasil, Gurnah, 73, professor recém-aposentado de Inglês e de Literatura Pós-colonial na Universidade de Kent e autor de romances e contos, não estava entre os cotados. Na lista, que às vezes se repete ano após ano, figuravam autores como o queniano Ngugi wa Thiong’o, o moçambicano Mia Couto, o japonês Haruki Murakami, a russa Ludmila Ulitskaya, o francês Michel Houellebecq, as canadenses Anne Carson e Margaret Atwood e as americanas Joyce Carol Oates e Joan Didion. Portugal esperava seu segundo Nobel – desta vez, para António Lobo Antunes. O primeiro foi para José Saramago.

O Nobel foi dado a Abdulrazak Gurnah, conforme dito no anúncio, por seu “irredutível e compassivo entendimento dos efeitos do colonialismo e o destino dos refugiados no abismo entre culturas e continentes”.

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Presidente do Comitê do Nobel de Literatura, Anders Olsson se referiu ao tanzaniano como um dos escritores pós-coloniais mais proeminentes do mundo. “Seus personagens se encontram no abismo entre culturas, entre a vida deixada para trás e a vida por vir, confrontando o racismo e o preconceito, mas também se obrigando a silenciar a verdade ou reinventar uma biografia para evitar o conflito com a realidade”, disse.

Paradise é sua obra mais famosa. Finalista do Booker Prize em 1994, o romance conta uma história de formação – do amadurecimento de um garoto tendo como pano de fundo uma África cada vez mais corrompida pelo colonialismo e pela violência durante a Primeira Guerra.

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Gurnah, cujo idioma original é o suaíli, escreve seus livros em inglês e já lançou, até agora, 10 romances. A estreia foi com Memory of Departure, em 1987. Na sequência, vieram Pilgrims Way (1988) e Dottie (1990). Essas três primeiras obras retratam a experiência do imigrante no Reino Unido sob diferentes perspectivas. Depois de Paradise, seu quarto livro, vieram Admiring Silence (1996), By the Sea (2001), Desertion (2005), The Last Gift (2011) e Gravel Heart (2017), além My Mother Lived on a Farm in Africa, coletânea de contos publicada em 2006.

Seu romance mais recente, publicado em setembro de 2020 no Reino Unido, é Afterlives. Ele conta a história de um menino, Ilyas, que foi roubado de sua família por tropas coloniais alemãs. Depois de alguns anos, ao lutar em uma guerra contra seu próprio povo, ele volta para a sua vila. Nesse mesmo momento, outro jovem, que não foi roubado para ajudar na guerra, mas, sim, vendido durante o conflito, também retorna. O destino se encarregará de promover o encontro entre os dois.

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Desde a criação do Nobel, há 120 anos, já foram premiados 118 autores – dos quais apenas 16 mulheres. A poeta americana Louise Glüke venceu em 2020. E Gurnah é apenas o quarto autor negro e o sexto de origem africana a ganhar a mais importante premiação literária do mundo.

Nobel de 1986, o nigeriano Wole Soyinka disse que o prêmio dado ao tanzaniano é a prova de que “as artes, e a literatura em particular, vão bem e estão prosperando, uma bandeira resistente hasteada acima de realidades deprimentes” em “um continente em permanente sofrimento”. “Que a tribo aumente!”, concluiu.

Abdulrazak Gurnah falou com a imprensa internacional e posou para fotos após o anúncio do prêmio. Ele disse que os temas da imigração e do deslocamento que ele explora “são questões que estão conosco o tempo todo”, e muito mais agora do que quando ele chegou ao Reino Unido no final dos anos 1960.

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“As pessoas estão morrendo, estão sendo feridas ao redor do mundo. Devemos lidar com essas questões de uma forma muito mais gentil”, afirmou. “Ainda estou assimilando que a Academia escolheu destacar esses temas que estão presentes em toda a minha obra. É importante abordar essas questões e falar sobre elas”, comentou o autor nascido em Zanzibar, que precisou deixar a ilha no Oceano Índico em 1968, fugindo de um governo repressivo que perseguia a comunidade muçulmana da qual o então garoto fazia parte.

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Chegando à Inglaterra, ele começou a escrever como uma forma de explorar tanto a perda quanto a liberdade de sua experiência como emigrante, disse ainda.

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Mais cedo, um repórter do site do Prêmio Nobel disse ao escritor que os cientistas premiados tendem a descrever o trabalho deles como uma brincadeira, como uma coisa que fazem pela alegria de poder explorar algo, e questionou se ele também se sentia assim. “Bem, sinto alegria quando eu termino! (risos). Mas, sim, muito disso é compulsivo, atraente e algo que os escritores continuam a fazer por décadas – e você não pode fazer isso se você odeia. É o prazer de fazer coisas, criar, acertar, mas também o prazer de transmitir, de dar prazer, apresentar um caso, persuadir, todos esses tipos de coisas”, respondeu o escritor, que ganhou US$ 1,1 milhão.

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